A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) foi uma das instituições a assinar resolução do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) que estabelece uma série de diretrizes para o atendimento às adolescentes que estejam cumprindo medidas socioeducativas em meio fechado, entre elas, direito à visita íntima, formação de casais lésbicos nas casas de acolhimento e uso de preservativo.
De longe, o artigo 41 foi o mais polêmico. Confira o texto:
Art. 41. Deverá ser garantido o direito à visita íntima para as adolescentes, independentemente de sua orientação sexual ou identidade e expressão de gênero, nos termos do artigo 68, da Lei nº 12.594, de 18 de janeiro de 2012.
A ministra Damares Alves, do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, reclamou em entrevista ao SBT. "Acho que [a resolução] é inoportuna e também creio que tem vício de legalidade nela. O ECA fala que adolescente é a partir de 12. Mas o Código Penal fala que sexo com menos de 14 é crime. Essa brecha eu vou permitir?", questionou Damares.
Por outro lado, a presidente do Conanda, Iolete Ribeiro da Silva, se posicionou, mas sem entrar em detalhes sobre as questões que implicam a visita íntima. Apenas alegou que já é uma grantia em lei. "Há uma crítica em relação à possibilidade da visita íntima. Mas essas visitas devem ser asseguradas, considerando que essa é uma previsão legal. Não está sendo inventada agora. Existe desde que a lei do Sinase foi criada [Lei 12.594/12, que institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo]. No artigo 68 da criação do Sinase está prevista essa possibilidade", disse.
Onde acontecerão as visitas íntimas nas Casas socioeducativas? Para a questão eclesial especificamente, abre-se uma brecha neste caso no ensinamento moral da instituição sobre a relação sexual ser pemitida apenas após matrimônio religioso?
Outra pergunta pertinente, a CNBB também endossa o artigo 23?
Art. 23. No caso de formação de casais entre as adolescentes, dever-se-á permitir que permaneçam no mesmo alojamento, sendo levado em conta o direito ao exercício da sexualidade, da afetividade e da convivência.
A resolução ainda prevê vedação a videomonitoramento em locais em que haja troca de vestimenta; vedação a revista corporal com desnudamento, medidas de promoção à saúde física e mental; medidas para o exercício da individualidade, afeto e sexualidade, de modo a mitigar discriminação entre meninas lésbicas;
Na dúvida gerada pelo tema, o portal Conjur buscou ouvir especialista sobre o assunto. Veja o que eles disseram.
Autoriza ou não autoriza?
A ConJur ouviu especialistas para saber se a resolução de fato autoriza visitas íntimas a adolescentes que tenham 12 anos ou mais. Para André Luís Alves de Mello, promotor de justiça em Minas Gerais, embora a Lei 12.594/12 já permitisse a visita íntima a adolescentes, a resolução do Conanda "oficializou o estupro".
"O Código Penal classifica o sexo com menor de 14 anos como estupro de vulnerável. Assim, o Conanda oficializou o estupro e criou uma espécie de 'estupro culposo' por erro normativo, pois pessoas acharão que estão autorizadas pelo Conanda a estuprar adolescentes entre 12 e 14 anos", afirma.
Advogadas ouvidas pela reportagem discordam. Isso porque a resolução estabelece que as visitas íntimas devem ocorrer nos termos do artigo 68 da Lei 12.594/12. Segundo o dispositivo, "é assegurado ao adolescente casado ou que viva, comprovadamente, em união estável, o direito à visita íntima".
Para Lyzie Perfi, advogada criminalista do escritório Teixeira Zanin Martins, a norma impede as visitas íntimas a partir dos 12 ao condicioná-las ao casamento ou à união estável.
Isso porque, por lei, só podem se casar pessoas com 16 anos ou mais. Nesse caso, é exigida a autorização de ambos os pais do adolescente. Tal disposição consta no artigo 1.517 do Código Civil. O mesmo vale, por analogia, para o reconhecimento da união estável.
Confira alguns artigos da resolução do Conanda
Art. 14. Ficam vedadas quaisquer medidas de segurança que exponham a intimidade das adolescentes nas unidades, incluindo: I - videomonitoramento com alcance sobre interior dos alojamentos, banheiros e espaços coletivos onde haja troca de vestimentas; II - revistas corporais que envolvam desnudamento; e III - alojamentos cujas estruturas não garantam o respeito à intimidade das adolescentes
Art. 21. Serão vedados, em relação às adolescentes lésbicas, quaisquer impedimentos de contato afetivo, de amizade ou de convivência com as demais adolescentes.
Art. 23. No caso de formação de casais entre as adolescentes, dever-se-á permitir que permaneçam no mesmo alojamento, sendo levado em conta o direito ao exercício da sexualidade, da afetividade e da convivência.
Art. 30. Será garantido às adolescentes privadas de liberdade o acesso, sem qualquer discriminação e coerção, a direitos sexuais e reprodutivos, a informações sobre formas de contracepção e a prevenção de infecções sexualmente transmissíveis (IST), incluindo o acesso e orientação sobre o uso de preservativos.
§ 2º As unidades de saúde deverão acolher e atender as adolescentes privadas de liberdade sem qualquer estigmatização, constrangimento ou discriminação em razão de sua condição de adolescente privada de liberdade.
Art. 39. Quando a unidade acolher as adolescentes de outros municípios, deverá oferecer apoio logístico para deslocamento das famílias, nos dias de visitas e atividades na instituição.