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"A regulação da mídia de Lula", por Ricardo Feltrin


Foto: Reprodução

Costumo comparar a história da TV Globo a uma corrida de F-1. A Globo largou no dia 25 de abril de 1965, um ano após o golpe militar.

Quando a emissora de Roberto Marinho (1904-2003) saiu, já havia outros competidores na pista, como Tupi e Excelsior.

O problema é que, quando a Globo chegou ao autódromo, o juiz da prova (a ditadura militar) fez dela sua protegida.

O governo estava começando a implantar a rede de telecomunicações no Brasil e, contente com o apoio de Marinho, passou a encher o tanque do carro dele com combustível especial.

Onde era instalada uma torre de transmissão da Embratel,os militares deixavam a Globo também instalar a sua, e até a ajudavam.

O que aconteceu é que a emissora começou a ter maior alcance, ultrapassou os demais carros, disparou e sumiu de vista.

Assim como hoje, naquele tempo o governo federal também era o maior anunciante do Brasil e a Globo também foi a querida militar, financeiramente falando.

Resultado: a Globo passou a dar voltas e mais voltas sobre a concorrência.

Quando as Diretas devolveram a democracia ao país, ela já estava tão longe das demais em capilaridade e dinheiro nos cofres, que não havia mais possibilidade de chegar nem perto dela.

Cinco décadas depois, a Globo se tornou um dos grandes grupos midiáticos do mundo, o maior do Brasil, e teve competência administrativa suficiente para se espalhar pela economia: maior serviço de streaming do Brasil, dona do maior número de canais na TV por assinatura (quase 40, contando os Premiere).

Também é sócia de uma riquíssima agência de investimentos (Órama), além, claro, da TV Globo e seus quase R$ 10 bilhões de faturamento anuais. É ainda a maior produtora de conteúdo do país.

Agora vamos à pergunta que interessa: o que o governo do próximo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, que passou a campanha toda falando em “regulação da mídia”, pode fazer a respeito?

Minha opinião é que basicamente nada, exceto apoiar ou propor leis que ampliem a punição a emissoras e veículos dispersores (peço desculpas aos pombos) de fake news; ampliar o combate e integração com outros países contra a pirataria; vetar perdões de milhões em dívidas de igrejas pertencentes a pastores.

Isso seria um ótimo começo.

Segundo este colunista apurou, desde 2009 o PT, por obra de seu ex-ministro Franklin Martins, já falava em “confronto” (palavras dele) com a Globo, muito mais que a mídia em geral.

Um dos “sonhos” de Martins, na década passada, era desmembrar o Grupo Globo, nos mesmos moldes que Cristina Kirchner tentou com o Grupo Clarín (e fracassou).

No caso do Brasil o petista e ex-ministro queria começar pelas concessões de rádio da Globo (são 4).

Isso afetaria o grupo fundado pela família Marinho? Óbvio que não. A dependência do GG de rádio, seja editorial ou financeiramente, é residual.

Rancoroso com a casa onde trabalhou por dez anos (1996-2006), Martins ainda não deixou de almejar prejudicar a Globo.

“Regular” a internet, como Lula já mencionou, é possível. Sim, basta implantar uma nova ditadura e controlar o acesso da internet e o acesso ao endereço .br, como a China faz com seu endereço.

Mas, e as outras formas de comunicação como apps de mensagem (Telegram, Signal, WhatsApp), existe forma de “regulá-las”? Faz-me rir.

Duvido que Lula pensará jamais em proibir ou derrubar sites que não lhe sejam favoráveis (o espírito totalitário e amargurado de Franklin Martins, sim, esse pensaria nisso).

Mas, pelo nome da ordem jurídica, um governo Lula não poderia prejudicá-los nem financeiramente, pois a lei determina que a distribuição de verba publicitária deve obedecer a padrões de audiência.

Até Bolsonaro foi enquadrado pelo TCU  (Tribunal de Contas da União), porque passou cerca de dois anos dando mais verba publicitária para a medíocre e traço de ibope RedeTV, para a chapa-branca SBT ou a acrítica Record, do que para a líder Globo.

Foi tiro no pé. A grande maioria da população brasileira jamais ficou sabendo das “obras” de Bolsonaro. Afinal, quem assiste ao “Mega Senha” na RedeTV? Ninguém.  

Portanto, o que Lula e Martins podem fazer contra a Globo ou a mídia em geral?

Proibir que tenham sites ou outros canais pagos? Não pode. É iniciativa privada;

Proibir que uma emissora de TV tenha também um jornal? Não pode. Fere o artigo 5º da Constituição Federal, que prevê liberdade de expressão não só para pessoas físicas, mas jurídicas também;

investir menos dinheiro da publicidade federal nos veículos que não lhe forem simpáticos? Nananinanão. A menos que queira ser enquadrado e humilhado pelo TCU, como aconteceu com Bolsonaro.

Pois bem.

Sou do ABC, filho de metalúrgico, meu pai me levava aos protestos na Vila Euclides (São Bernardo) desde moleque.

Vi o PT nascer, crescer e definhar em seus princípios originais. Por isso mesmo, desde os 25 anos de idade, deixei de ter qualquer admiração por seus partidários (com raras exceções).

Mas, votei em Lula de olhos fechados no último domingo.

A eleição presidencial deste ano não representava uma escolha de ideologias, e sim entre a morte ou sobrevivência da democracia.

Por mais que me irrite com muitas propostas petistas (algumas 100% patéticas), não há dúvidas de que, ao contrário de Bolsonaro, Lula é um democrata e agiu várias vezes como estadista em seus 8 anos de governo.

E que Dilma é uma mulher digna, embora péssima como articuladora de alianças. Sim, foi vítima de um golpe de Estado. Ponto.

Definitivamente, com Lula a qualidade de vida de dezenas de milhões de pessoas desfavorecidas subiu de patamar. A economia melhorou. A inflação ficou sob controle.

O Brasil de Lula era e será respeitado internacionalmente, ao contrário do que o do mandatário atual.

O único fracasso do governo Lula a partir de 1º de janeiro, aqui profetizado por este colunista do Frisson, será qualquer tentativa de “regular” as mídias.

De resto, não tenho dúvida que, com Lula, a democracia sairá da UTI putrefata na qual foi jogada pelo presidente, seus filhos e asseclas do Congresso Nacional e das Forças Armadas.

Para encerrar, dou congratulações aos quase 70% de cearenses que votaram contra o fascismo. Muitos, certamente, pensaram como eu.

Mesmo sem gostarem de Lula e do PT, estou certo que vocês optaram pelo único candidato a favor da democracia, da liberdade de expressão e que certamente será um presidente que não vai enxovalhar a imagem do nosso Brasil perante o mundo.

ps: Faltam dois meses para o “chá revelação” dos gastos secretos com cartões de crédito de Bolsonaro e sua laia. Estaremos todos lá, ansiosos para abrir os pacotes.

Por Ricardo Feltrin
@feltrinoficial

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