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A proximidade ou a repulsa têm como sentido original a responsabilidade ou a indiferença


Foto: Divulgação

O espaço de onde o sujeito é interpelado estabelece uma proximidade ou uma repulsa, cujo sentido original é a responsabilidade ou a indiferença. A proximidade, para ser verdadeira, há de se fazer sob o signo do espontâneo na gratuidade do dado. A indiferença, por sua vez, dá-se no âmbito da negação do outro em sua potencialidade de ser uma presença enriquecedora ou questionadora de outra subjetividade. A proximidade antecede uma intencionalidade, pois o primeiro movimento que se tem em relação ao outro não é o outro enquanto presença significante, ao menos intencionalmente, mas o outro é o suporte de um desejo em vista de um reconhecimento. Essa consciência da presença do outro enquanto presença questionadora, interpeladora da subjetividade do outro, vem só posteriormente, pois, num primeiro momento, é uma presença que se apresenta como um dado, sob a égide da inconsciência.

No âmbito da consciência é que só, posteriormente, há de se saber o para que. Mas também pode acontecer que já se venha ao encontro do outro com uma intenção, mas isso é o momento secundário, isso já diz respeito ao para quê. O movimento inicial, primordial, inaugural, é anterior à intencionalidade. Por isso é que se diz que o contato com o outro, a proximidade com o outro, dá-se a partir do desejo e da necessidade; desejo esse que parte de forma inconsciente e a necessidade de um reconhecimento do outro, colocando-se no lugar daquele que é desejante de ser desejado. Essa necessidade ou desejo expressa o primeiro movimento do sujeito ainda de si não consciente, mas também expressa uma dependência frente ao outro em razão da demanda pelo reconhecimento.

O que move o desejo ao outro, o movimento que nasce no sujeito e demanda para o outro em vista de um reconhecimento não cai, nesse primeiro momento, sob o crivo de um olhar; furta-se ao olhar, por isso se diz: é preciso olhar aonde não é possível ver, para que ali um desejo possa se captar. E o que se capta do desejo pela via do olhar não vem na sua materialidade significante senão através de alguns elementos: uma certa forma de lidar, um certo jeito de ser, uma certa maneira de encarar e enfrentar as realidades circundantes. Sob essa luz, abre-se espaço para que o novo, em algumas ocasiões, possa se manifestar e dizer daquilo que por ele não era esperado, revelando o outro enquanto desejo de uma forma que anteriormente não se pôde aprisionar.

Considera que aquele a quem tu demandas é também um ser de desejo, é faltante, demandante e, por isso, demanda, sobretudo, pelo reconhecimento daquele sujeito que torna possível o encontro pela cadeia significante, perpassante, ausente do olhar. Esse desejo move o sujeito ao outro, face a face, que se realiza, primeiramente, como uma proximidade, numa relação, em primeiro momento, inconsciente e, portanto, impessoal, impessoalmente, mas que abre espaço para a responsabilidade, ao perceber no outro um ser marcado, assim como ele também, pela necessidade. Assim nasce a responsabilidade. Se a demanda para o outro se fizer a partir da necessidade do que o outro puder vir a satisfazer numa atitude interrelacional complementar, o encontro se esvai, não vai, porque nenhuma materialidade há de recobrir o que, de mais profundo, o ser na procura do outro quer encontrar. Por não conseguir de imediato o que almeja encontrar, em razão do mistério que a presença do outro traz em sua inicial impessoalidade, ocorre a fenda, abertura ao conhecimento.

O reconhecimento é o que passa pela demanda ao outro, razão ali sempre presente, mas não grifável. Numa progressão aritmética, por exemplo, a razão, embora não tangível, é presente. É o que move na cadeia incessante de dois, quatro, seis, oito, dez, doze, quatorze, dezesseis, dezoito, a não mais findar. É uma razão, a razão dois, que ali não está escrita, embora presente, não está captada ou capturada pelo olhar do outro. Todavia, é ela que produz o movimento. Se a razão da demanda for estancada pelo encontro de um objeto que cesse o ato de desejar, não haverá a progressão nem o conhecimento que a cadeia significante remete a cada um dos sujeitos em sua busca, por ser faltante, permanente.

Uma relação ética movida pelo desejo e pelo reconhecimento há de se tornar ali presente e ela é anterior a qualquer ato que possa basilar o que essa ética instaura pelo momento inicial ali presente. Ser para o outro é a própria condição de constituição da subjetividade humana, emergindo da neutralidade inicial de um haver impessoal a uma significação cada vez mais presente nos elementos demandados e no surgimento do sentido que essa demanda faz tornar ali presente. Há de se ter, contudo, cuidado de não reduzir a movimentos de conceitos, no plano do saber, compostos, teoricamente, em função de projetos que reduzem os seres humanos, neste caso, a entes manipuláveis. É preciso, então, que se diga, caso isso venha acontecer, que estaremos negando a eticidade, a alteridade e entrando no mundo da totalidade, fonte de muitas injustiças. No que concerne à justiça, convém que se diga, agora nesse instante, que jamais se é justo o bastante nessa relação de respeito movida pelo desejo, em busca de um reconhecimento.

Revelando-se faltante, demandante em busca de um sentido para o ser e estar no mundo aqui presente, estabelece-se a morada em que o sujeito coloca o seu ser a serviço do outro numa relação de proximidade, e é a partir dela que os elementos do mundo - o trabalho, a economia e tudo mais - como mediação são colocados. Por uma opção, a responsabilidade pelo outro está esta responsabilidade presente, como estrutura fundamental da subjetividade a percepção da presença do outro, o que não é da ordem da intencionalidade. Já dissemos, anteriormente, que, no seu momento inaugural e buscando uma adequação quanto a isso, o outro, ao emergir no meu mundo, em seu estado de carência, remete ao meu próprio estado carencial, e, enquanto seres de falta que somos, isso nos leva à responsabilidade de construirmos juntos um projeto no qual esteja presente uma ética da alteridade, uma ética do enriquecimento pela diferença do outro de forma desinteressada, ou seja, não intencional.

No que toca a fazer dela algo manipulável perante essa presença, é que se estabelece e se exercita a responsabilidade, decorrência da proximidade, perante o outro. A atitude humana mais condizente é dizer: eis-me aqui. O que o outro emerge em sua significação mais profunda com sua presença nos pede e nos ordena, nos interpela e pede-nos uma ética que torne possível ordenar as relações humanas pelas quais algo de novo e permanente possa vir para ficar. Contudo, convém que se diga que, por mais que o sujeito assuma a sua responsabilidade frente ao outro, ele não pode exigir uma necessária reciprocidade, pois a responsabilidade do outro é um problema dele, e o seu arbítrio há de ser respeitado. Jamais o sujeito poderá dizer: eu venho para construir contigo um projeto de liberdade, mas, se tu ti negares a isso, eu te mato. Sob o fio da navalha, de constante, há de se caminhar, pois a forma como tu demandas e procedes em relação ao outro pode levar à manutenção da ética da alteridade ou mesmo, em nome desta mesma ética, negá-la.

Por Pe. Airton Freire

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