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Ex-secretário de Saúde do Ceará, Dr. Cabeto liderou a linha de frente da pandemia no Estado

Médico cardiologista e professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), o professor conversou com o empresário Ricardo Bezerra no programa Conexões

Foto: Arquivo GCMais

Ex-secretário de Saúde do Ceará e um dos nomes na linha de frente do combate à pandemia do novo coronavírus no Estado, Carlos Roberto Martins Rodrigues Sobrinho, o Dr. Cabeto, aceitou o convite para liderar a pasta com a perspectiva de permanecer durante um momento de transição, mas acabou enfrentando uma das piores crises sanitárias do Estado dos últimos anos. 

Médico cardiologista e professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), o professor conversou com o empresário Ricardo Bezerra no programa Conexões sobre sua visão sobre a saúde do Estado e como foi estar à frente da pandemia. Ainda, revisitou sua infância e e falou um pouco sobre sua trajetória na medicina. Confira entrevista: 

Ricardo Bezerra: Queria que o senhor falasse da sua infância. Onde o senhor estudou? Pode contar o início da sua vida? 

Dr. Cabeto: Meu pai era médico e professor da universidade. Estudei no Colégio Santo Inácio no Ceará. Minha vivência foi muito rica. Era um colégio com uma formação humanista muito forte. E isso, junto à educação da minha mãe e meu pai, me trouxe bases para exercer a vida médica. Sempre fui estudioso, mas era tímido, então o fato de gostar de esportes - eu jogava futebol -, me ajudou a amenizar a timidez. Joguei vários anos em campeonatos pelo Ideal [Clube]. Mas então entrei na faculdade e não consegui mais acompanhar. 

Ricardo Bezerra: É verdade que o senhor gostava de medicina, mas que antes pensava em engenharia? 

Dr. Cabeto: A área que eu mais gostava era física e matemática, apesar de gostar de literatura, poesia.. Mas biologia não era a que eu mais gostava. Eu estava preparado para fazer engenharia, mas na hora “h”, eu troquei. Eu digo que fui médico por acaso. Percebi que eu andava em corredores de hospital desde a infância. Meu pai, médico, me levava para lá e também até a faculdade, e isso pesou, também com o exemplo do meu avô, que era pediatra. Meu pai dizia que nós somos capazes de exercer qualquer profissão.  Ser humano é assim, somos controversos. 

Ricardo Bezerra: Você é doutor em Cardiologia. Mas por que o coração? 

Dr. Cabeto: Como tudo na minha vida, também foi por acaso (risos). Eu fiz clínica médica porque na verdade queria ser clínico, então fiz duas residências de clínica médica, e depois passei em um concurso para Neurologia em Ribeiro Preto, mas também achava que queria ser Pneumologista. Mas, fazendo uma análise de qual especialidade mais se aproximava da clínica médica no sentido mais amplo e que tinha vocação para atender emergência, era a cardiologia. Foi racional. Precisei prorrogar minha formação para decidir, mas foi muito acertada. Não consigo me dedicar a uma coisa específica permanentemente.  

Ricardo Bezerra: O senhor é doutor em Cardiologia pela USP, professor da UFC e possui um extenso currículo acadêmico. Pode falar um pouco dos seus estudos? 

Dr. Cabeto: Se a gente olhar minha produção científica, ela é produção de um clínico, mas não de um pesquisador. Durante uma época da minha vida, eu elaborei uma série de estudos, onde fiz meu doutoramento, trabalhei com o maior pesquisador de hipertensão e controle da circulação do Brasil, Eduardo Moacyr Krieger, e foi uma experiência muito importante no ponto de vista humano e profissional. Me aprofundar na forma como se elabora o conhecimento me ajudou em tudo. E me ajudou a entender que o conhecimento precisa ser contrabalanceado com a questão humana. Então, no meu currículo, terá artigos clínicos, de filosofia, política… 

Ricardo Bezerra: O senhor já deve ter recebido vários convites para sair do Ceará. O que te segurou aqui? 

Dr. Cabeto: Acho que porque eu sou casado e minha esposa, promotora de justiça, morava no interior do Ceará e eu morava em São Paulo. Eu pegava um avião na sexta, pegava o ônibus para o interior, ficava dois dias e voltava. Então chegou um momento que a gente precisou tomar uma decisão. Eu era funcionário concursado do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da FMUSP (Incor) e não tinha mais intenção de voltar ao Estado até então. Mas então a escolha pessoal pesou, e também o desejo de voltar à minha universidade, à UFC. Voltar e colaborar. 

Ricardo Bezerra: A gente escuta que é melhor sair do Ceará e ir para São Paulo. Mas, considerando os nomes que temos aqui, é preciso sair do Ceará para se tratar do coração? 

Dr. Cabeto: Acho que 90% das vezes não, pode ser resolvido no Ceará. Temos grandes profissionais da saúde, tanto na área médica, na enfermagem, na fisioterapia. O que o Ceará segue carente é de uma estrutura hospitalar para receber esses profissionais, que tão sem conseguir desenvolver seu potencial. 

Ricardo Bezerra: O que falta para o Ceará, a nível público e privado, atingir um nível de qualidade em termos estruturais? Será se Fortaleza não teria condições de ter um equipamento como em São Paulo? 

Dr. Cabeto: Temos que pensar no sistema de saúde público e no privado. A gente está vendo uma transição no Ceará, saindo de hospitais de âmbito familiar para hospitais de grandes redes ligadas a grandes fundos, cujo objetivo é reaver os investimentos. Mas o Hospital Einstein, em São Paulo, é um hospital filantrópico, que conta com investimento privado alto, com área de pesquisa, faculdade de medicina, e o mesmo número de leitos públicos e privados. A gente precisa remodelar a governança desses aspectos no Ceará para garantir um mínimo de qualidade e inovação tecnológica. E o Estado pode sim dar incentivo fiscal, trocar isso por qualidade, eficiência, bom atendimento, monitoramento e resultado. Para corrigir essa falta de equidade entre Nordeste e Sudeste. Recife e Bahia são melhores que o Ceará. 

Na área pública, passa por uma decisão política. Estamos em um momento que o modelo econômico atual precisa entender que o maior valor de qualquer instituição é o trabalhador. Então quando você começar a remunerar de forma adequada, você melhora a qualidade. Mas somente entre 20% e 30% dos médicos do Brasil têm residência. E nos países do 1º mundo é proibido atuar sem residências. E isso gera um impacto de ineficiência e deve ser enfrentado com transparência. Saúde tem que ser colocada num patamar de política de longo prazo. 

Ricardo Bezerra: Após negar vários convites anteriores, o senhor aceitou o convite do então governador Camilo Santana para secretário de saúde. Quais foram as medidas que o senhor tomou no começo? 

Dr. Cabeto: O pai do Camilo Santana, Eduardo Santana, que fez os convites iniciais. Ele veio e falou que eu não podia mais negar. E eu conversando com minha mulher e filhos, falei que não podia morrer sem pôr à prova, e estabelecer esse salto, por coerência. Eu tinha convicção, entretanto, que eu era um secretário de transição. Tinha muitos problemas, uma série de demandas que aumentavam o gasto público. Por exemplo, em 2017, o Brasil gastou R$ 34 bilhões de forma errada em saúde, e isso equivale a financiar o Ceará por 10 anos. E eu vinha estudando isso, e convidamos o Governo de Portugal, pessoal de Harvard, Unicamp, e criamos um grupo e durante três meses estudamos detalhadamente o sistema. Construímos um plano de 100 dias e criamos a plataforma de modernização do estado .Apresentamos ao governador e ele vestiu a camisa. Mas nesse processo, quando você muda cultura, você cria conflito. Então foi um primeiro ano difícil. E aí veio a pandemia e mudou tudo, mas conseguimos dar continuidade. 

Ricardo Bezerra: O senhor esteve à frente da Secretaria na pandemia e o senhor teve pulso para segurar o lockdown. Como foi enfrentar amigos seus dizendo que, sem trabalhar, iriam quebrar, ao mesmo tempo que acompanhavam relatos de mortes? 

Dr. Cabeto: Eu sabia da fragilidade do sistema. Eu fazia ligação de amigos nos EUA, na Espanha, na Itália… A minha primeira convicção era que eu não tinha sistema de saúde o suficiente para enfrentar isso. Tínhamos, até então, o pior número de leitos de UTI per capita do País. Por isso a plataforma de humanização incluía a humanização das UTIs. Se isso era difícil na Alemanha, na França, imagina no interior do Ceará. E tivemos o primeiro pouco do Brasil. E felizmente suspendemos as cirurgias, atendimento ambulatorial e alugamos o Hospital Leonardo da Vinci. Foi difícil para todo mundo, inclusive para o Camilo Santana. Ele foi muito correto, e saiu de um modelo controverso no Brasil e saiu com um modelo coerente. Ele sabia que a decisão tinha que ser técnica, mas o conflito social, econômico e político ia ser brutal. 

Ricardo Bezerra: Depois da tempestade, havia mais alguma coisa que o senhor poderia ter feito que não fez? 

Dr. Cabeto: Acho que foi uma tragédia sem precedentes, mas acho que foi tudo feito de maneira iluminada, mas não só por mim. Serei eternamente grato à equipe da Secretaria de Saúde, a todos os profissionais que me ligaram, que pensaram em desistir, mas não o fizeram. Então, eu acho que o sacrifício dessas pessoas foi tão grande que fica difícil fazer crítica diante de uma violência desse tamanho. 

Ricardo Bezerra: Antes da vacina, em algum momento o senhor acreditou na ivermectina e cloroquina? 

Dr. Cabeto: Esse tema foi controverso e esse nível de polarização aconteceu só no Brasil. Os primeiros casos de covid-19 eu mesmo atendi, então peguei covid precocemente e, depois de seis dias de febre, fui internado. Na época ninguém sabia o que ia acontecer, mas nós sabíamos que essa não era uma doença propriamente viral, mas inflamatória. Quando chegou no oitavo dia, eu disse que queria tomar corticoide e disse que assumia o risco, e pedi para tomar algum anti-inflamatório. No meu caso, funcionou muito bem, mas não funciona em todos os casos. Como não tinha um protocolo nacional, eu pedi um protocolo local, mas cada médico decidia, se dava cloroquina ou não. 

Ricardo Bezerra: Mas por que o senhor saiu da Secretaria? 

Dr. Cabeto: Eu entrei na Secretaria para tomar uma missão. Mas sabia que eu iria sair e voltar para minha vocação, que é médico e professor. Quando eu percebi que o momento tinha chegado, não cabia mais. Terminava meu ciclo. 

Ricardo Bezerra: Eu estive no Distrito de Inovação de Saúde de Porangabussu, mas fiquei decepcionado porque ainda há obras inacabadas. É uma obra gigantesca e você vê ela parada. Por que ela não foi para frente? 

Dr. Cabeto: Acho que ainda não deu tempo para o Governo entender, mas aquilo é mais do que um hospital. Mas como você vai trazer uma empresa de alto porte tecnológico para o Nordeste do Brasil? A saúde é a maior indústria do mundo, e precisamos entender que precisamos de outro perfil de indústria para reverter a desigualdade do Ceará. Mas infelizmente, a gente tá precisando de ajuda e sensibilidade. Para você ter ideia, para deixar o hospital pronto, precisa de R$ 90 milhões. Já tem muito recurso privado lá, de emenda parlamentar, recursos meus. É o melhor projeto de arquitetura hospitalar do Brasil, com certeza. 

Ricardo Bezerra: Qual o legado que o senhor deseja deixar? 

Dr. Cabeto: Uma pessoa que está disposta a aprender, que está disposta a rever seus erros e que é uma pessoa humana, que comete erros e acerto, mas que respeita o trabalho e que é capaz de entender o sofrimento humano. 

 

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