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Padre Airton Freire, criador da Fundação Terra, prega pelo amor à Igreja e aos pobres

O Padre é conhecido por ter celebrado missas e levado transformação na Rua do Lixo, espaço onde viviam pessoas em situação de vulnerabilidade, no município de Arcoverde

Foto: Lino Vieira

Criador da instituição de solidariedade Fundação Terra, o Padre Airton Freire já tem mais de 40 anos de experiência desde que se tornou sacerdote, aos 26 anos, mas foi ainda quando criança, no interior de Pernambuco, que guardou no coração o desejo de servir à religião. Considerado por muitos como Santo, o Padre Airton Freire tem em sua trajetória na religião momentos marcantes de solidariedade, responsabilidade e amor ao próximo.

Conhecido por ter celebrado missas e levado transformação na "Rua do Lixo", região do município Arcoverde, no interior de Pernambuco, onde viviam pessoas em situação de vulnerabilidade, o sacerdote conversou com o empresário Ricardo Bezerra no programa Conexões, direto de Pernambuco, sobre sua trajetória santa e o poder da sua crença. Colunista da Frisson, o Padre também formado em Psicologia e acredita no poder da sua escuta e na misericórdia divina. Confira os melhores momentos da entrevista: 

Ricardo Bezerra: Vamos falar da história da sua vida. Como foi sua infância? 

Padre Airton Freire: Eu nasci em uma cidade que fica nas margens de um rio afluente do São Francisco, em São José do Egito, no interior de Pernambuco. Nasci em 29 de dezembro de 1955, o segundo filho de uma série de seis. Eu gostava de brincar, com sabugo, com pedra, a imaginação era grande. Eu era arengueiro (risos). Tinha fama, mas apartava brigas, gostava de correr, fazia educação física, e até me chamaram para jogar em um time, mas fiz gol contra, e me colocaram para fora (risos).

Ricardo Bezerra: E os estudos? 

Padre Airton Freire: Fiz o primário, depois fiz admissão para o ginásio, onde fiz em Sertânia, cidade dos meus pais. Quando terminei, fui para Recife para o equivalente ao Ensino Médio, no Colégio Martins Júnior, no bairro Torre. Tive que decidir qual curso fazer, e eu não tinha decidido ainda ser padre. Mas mandei uma carta aos meus pais falando que queria ser padre, e meu pai ficou feliz. Aprendi com ele a levar doações… E pronto, na adolescência tive duas namoradinhas. A última foi a Maria Dolores. Eu disse a ela, determinado ano, que gostaria de entrar no Seminário. Ela chorou muito. Mas esses namoros de 50 anos antes, no máximo se pegava na mão. Ficava com vergonha… (risos). 

Eu gostava muito de estudar, e desde cedo me interessei em ir para a biblioteca. Li todas as obras de Machado de Assis, me interessei por idiomas, comecei a aprender francês, fiz filosofia, teologia… 

Ricardo Bezerra: O senhor falou que resolveu ir para o Seminário, mas desde pequeno, o senhor já pensava em ser padre?

Padre Airton Freire: Aconteceu durante uma missão de Frei Damião em Sertânia. Na missão, ele já estava indo embora, e disse que se alguém o quisesse seguir… Eu levantei minha mão e disse: “Eu”. Guardei no meu coração e só revelei no fim do Científico [Ensino Médio].

Ricardo Bezerra: O senhor entrou no Seminário, mas o senhor estudou Filosofia, Teologia e Psicologia. O que o levou à Psicologia, por exemplo?

Padre Airton Freire: No Seminário, a gente faz três anos de filosofia e quatro de Teologia, é a formação básica. Nesse período, também estudei francês para ler os autores, e nesse período despertou o desejo de conhecer melhor as pessoas. Então comecei a fazer Psicologia. Terminei a faculdade em 1982 e fui orador da turma. Fui ordenado padre em fevereiro deste ano também. Exerci a profissão por 16 anos, atendendo em consultório. 

Resolvi fechar o consultório quando eu percebi que o que eu deveria mesmo era servir aos pobres. Mas a escuta psicanalítica continua. 

Ricardo Bezerra: Quando o senhor foi apresentado à Rua do Lixo, na cidade de Arcoverde? Como foi esse começo do seu sacerdócio? 

Padre Airton Freire: Fui ordenado em fevereiro de 1982 e fiquei trabalhando no centro da cidade. Eu trabalhava com a juventude, e já ouvia falar da Rua do Lixo. Até que fui lá, e fiquei impressionado, vendo crianças disputando alimentos do lixo, pessoas esperando para fazer algum trabalho… Fiquei tão impressionado que voltei depois e resolvi celebrar com eles, como padre. Na hora da comunhão, quando levantei a hóstia e disse: “dizei-me uma palavra e serei salvo”, eu escutei uma criança gritando: “pelo amor de Deus, quero bolacha”. E isso me tocou de uma forma tão grande, que a mudança que aconteceu na minha vida, não só topológica, mas topográfica, me fez ir morar com eles. E morando com eles, eu aprendi a olhar a realidade de um outro lado. A obra social foi a partir da espiritualidade, do grito de uma criança pobre. 

Ricardo Bezerra: Falando de Céu, o que precisamos fazer para conseguir ir para lá? 

Padre Airton Freire: O que nos sobra é a misericórdia divina. Ele veio para os pecadores, e não para os que consideravam justos. Quando Deus olhou para a Terra, ele quis escolher uma mulher, escolheu Maria. Mas quando ele quis escolher alguém para uma missão, ele olhou para todos os homens, e disse que ia escolher o mais pecador, e me escolheu, para que eu pudesse fazer a sua obra. E por isso que, sendo nós pecadores, entraremos nos Reinos dos Céus. E quando eu partir, eu estarei no outro lado esperando cada filho meu para entrarmos juntos na Glória de Deus. 

Ricardo Bezerra: Na sua visão, um bem que uma pessoa faz e um mal que ela deixa de fazer, ele se reverte em pontos para o nosso Criador? 

Padre Airton Freire: O bem que nós fazemos é Deus realizando a salvação em nós. E quando realizamos um mal, é porque nos afastamos do bem, como o escuro é a ausência da luz. O mal é a ausência da luz de Deus. 

Ricardo Bezerra: Na Rua do Lixo, foi quando o senhor quis criar a Fundação Terra, certo? 

Padre Airton Freire: A primeira obra de impacto social da Fundação Terra foi quando eu conheci a Legião Brasileira de Assistência (LBA). Já vínhamos organizando as comunidades em grupos, conforme as capacidades de cada um e começamos a dar aula para essas pessoas, até que a LBA, que não existe mais, indicou que eu precisava de personalidade jurídica para conseguir ajuda. Criamos então a Associação Terra, que virou a Fundação. Terra porque queremos fazer aqui a vontade do Pai, que está nos Céus. O primeiro projeto foi de cabras, para pessoas que tivessem cabras de leite. A primeira fêmea [a nascer], a pessoa deveria dar a outra pessoa. Ao mesmo tempo, teve recuperação de 30 casebres. Pedi para os pedreiros fazerem uma capela, que ainda existe lá, que a gente pudesse fazer um espaço onde as crianças pudessem estudar. Eu ajudava, ia às feiras pedir esmola para as pessoas, fazia sopa e dava às pessoas, e eu comia com ele. Isso até 1988. 

Ricardo Bezerra: Teve uma passeata também, certo? 

Padre Airton Freire: Eu dava aula também às pessoas, mexendo com o alfabeto. Quando chegamos na letra “L”, falamos de luz. E essa história foi aumentando, ai eu disse que iria falar com o prefeito para pedir para colocar energia. Ai a comunidade disse que ia, e fomos caminhando. Não era programado, mas quando eu olhei para trás… Imaginei a entrada de Jesus em Jerusalém, os cegos, prostitutas, todos misturados. Não é me comparando com ele, mas a procissão dos pobres ganhou uma proporção. Já se anunciava que um ‘padre comunista’ estava entrando. Entrei na Igrejar para a gente rezar e fomos à Prefeitura. Eram algumas dezenas de pessoas. Falamos com o prefeito, e ele começou a colocar poste, começamos a ganhar luz. 

Ricardo Bezerra: Depois da confusão da procissão, o senhor foi, digamos, expulso de Arcoverde, expulso pela própria Igreja, que o transferiu para os Jesuítas de BH. 

Padre Airton Freire: A situação ficou insustentável. Eu já tinha feito retiro Jesuíta, e fui lá fazer a experiência e gostei muito. Depois fui para Salvador. Comecei a receber mensagens das pessoas da Rua do Lixo pedindo para eu voltar, dizendo que o povo estava desamparado. Decidi que iria voltar. Liguei ao Bispo, e ele me disse que eu poderia ir para outra Paróquia, mas que a Rua do Lixo não daria certo. Se fosse hoje, eu não sei como eu faria, mas eu fiquei entre a cruz e a espada. 

Existe a lei a ser cumprida, o voto que eu fiz, mas existiam as pessoas com fome. Mas então eu voltei, sem uso de ordens [capacidade de celebrar]. E depois houve uma reconciliação. Mas todo mês eu tomava café da manhã com o Bispo. Falava como estava a Rua do Lixo, e ele ficava em silêncio, me ouvindo. Era um café silencioso. Depois de 10 meses, ele disse que iria conhecer a Rua do Lixo. 

Ele chegou e eu fui mostrando as coisas para ele, como a gente não tinha papel e escrevia as letras na areia. E ele viu a escolinha, a capelinha, as construções, as mulheres que faziam renda. E disse que iria celebrar ali. Então as pessoas pediram para ele me deixar celebrar também. Era o meu maior desejo. Então ele disse que eu iria celebrar, e eu celebrei com ele, ao seu lado. Por isso que, se houver um padre, ele será o celebrante e eu ficarei ao lado. 

Ricardo Bezerra: Eu e muita gente o consideramos um Santo. Através das suas mãos, muitas pessoas foram curadas. Eu queria que o senhor explicasse como funciona esse dom que Deus lhe deu? E como o senhor consegue antever coisas futuras? 

Padre Airton Freire:  Eu atendo muitas pessoas, escuto muito. Todos nós somos seres faltantes e, por isso, demandamos, conforme o estado de cada um. Outra coisa que eu faço é servir ao altar do Senhor. Sirvo aos pobres e a Deus. Então, eu escuto. E quando eu escuto, desde o momento do começo da escuta, eu invoco a misericórdia divina. Eu não sei como eu sei, como encontrar soluções, mas o que eu posso fazer quando escuto é pedir a Deus. 

Eu ainda preciso melhorar muito para me tornar ruim. E depois, preciso melhorar muito para ser médio, e muito para me tornar bom. E para ser Santo… Era um desejo desde criança. O que aconteceu, eu não sei, e peço para que não me digam. Sei que não serei Santo, mas uma coisa que deixo como legado: o amor à misericórdia divina e o meu amor à Igreja e aos pobres. 

Ricardo Bezerra: O senhor já 'bateu no peito' e sentiu que estava realizado? 

Padre Airton Freire: Depois de tudo feito, ainda há algo o que fazer. O que eu desejo na minha vida é que a obra continue, e que o legado da misericórdia permaneça. Desejo que sempre aconteça o Natal dos pobres da Rua do Lixo. 

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