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Dossiê reúne 250 nomes de dentistas que realizam procedimentos cirúrgicos de forma ilegal

Profissionais estariam realizando procedimentos como otoplastia e rinoplastia, que não competem ao profissionail

Foto: Divulgação

Um dossiê organizado pelo advogado David Castro Stacciarini, do escritório David Castro e Associados, reuniu 250 nomes de dentistas que vêm realizando procedimentos cirúrgicos, que não competem à profissão, como rinoplastias, otoplastia e procedimentos relacionados a olhos, orelhas e nariz. A informação foi divulgada no Fantástico no último domingo, 20, mas seguiu repercutindo na última segunda-feira, 21. 

O advogado, especialista em causas médicas e que conversou com a Frisson pela plataforma Zoom, indica que essas práticas tiveram início principalmente com lacunas deixadas por resoluções do Conselho Federal de Odontologia (CFO).

O problema em relação às especialidades teria iniciado, segundo o advogado, em resolução publicada em 2016. Nela, o CFO compete ao profissional de odontologia a aplicação de toxina botulínica, conhecido popularmente como botox, e de outros preenchedores faciais para fins estéticos e com delimitação da área do osso hióide, na garganta, até o ponto násio, no nariz. 

Já em 2019, houve uma regulamentação da prática, que já estava sendo realizada pelos profissionais. A resolução, de número CFO-198, delimitou a Harmonização Orofacial, especialização que capacita o dentista na aplicação dos preenchedores após a realização de um curso de pelo menos 500 horas. A exceção era para os profissionais já especialistas em bucomaxilofacial, que poderiam estar isentos do curso caso provassem junto ao Conselho terem experiência na prática. A mudança chegou inclusive a ser criticada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), que enviou uma liminar para revogar essa resolução. Entretanto, o processo foi negado.  

Um ano depois, uma resolução do CFO de 14 de agosto de 2020, determinou que ficava vedado ao cirurgião-dentista a realização de procedimentos como: alectomia; blefaroplastia; cirurgia de castanares ou lifting de sobrancelhas; otoplastia; rinoplastia; ritidoplastia ou Face Lifting. Na mesma resolução, encontra-se vedado a publicidade de procedimentos não odontológicos e alheios à formação superior em Odontologia, como micropigmentação de sobrancelhas e lábios; maquiagem definitiva; design de sobrancelhas; remoção de tatuagens faciais e de pescoço; rejuvenescimento de colo e mãos;  tratamento de calvície e outras aplicações capilares. 

“A partir de 2019, com o indeferimento da liminar, muitos dentistas começaram a realizar procedimentos na área de nariz, orelha e olhos, que são  teoricamente cirúrgicos. O dossiê surgiu como um questionamento do CFO junto ao CFM sobre essas práticas”, destaca o advogado, ressaltando que a situação principal envolve dentistas que estavam realizando procedimentos cirúrgicos fora da competência odontológica, principalmente envolvendo olhos, nariz e orelhas. Ainda, o advogado destaca que os nomes dos profissionais do dossiê são de dentistas que não são especialistas em Harmonização Orofacial. 

A partir dessa determinação, David explica que novos nomes de procedimentos começaram a aparecer. “A rinoplastia eles chamaram de "rinomodelação definitiva", que utiliza fios e preenchedores ao mesmo tempo, chamaram de nose job level 5, nose job turbo... Alguns profissionais criaram nomes específicos e disseram que patentearam. Não é possível, no Brasil, patentear técnicas cirúrgicas”, destaca David. 

De acordo com o advogado, a ideia do dossiê é de promover diálogo entre os Conselhos de Medicina e Odontologia, de forma a fazer com que consigam entrar em um consenso. 

“Temos 250 dentistas que não são especialistas, não são bucomaxilofacial, e estão realizando procedimentos cirúrgicos. Eles alegavam que podiam fazer isso porque a resolução de 2016 e 2019 dava essa permissão. Não tenho dúvidas que muitos deles têm boa fé, mas têm uma interpretação errônea da legislação. O dossiê mostra uma falha na estrutura das resoluções”, indica David, garantindo que não houve nenhuma denúncia por parte do escritório, visto que o objetivo principal é promover o diálogo e não difamar a imagem dos profissionais de odontologia. O advogado, inclusive, não indicou nenhum nome à Frisson e não indicou quantos dos 250 dentistas são cearenses, mas reforçou que são profissionais de todo o País. 

Segundo o doutor Luiz Evaristo Volpato, tesoureiro da CFO, qualquer profissional dentista, com ou sem especialização em Harmonização Orofacial, possui competência para atuar nas especialidades odontológicas - o que inclui preenchedores e aplicação de botox. A prática é prevista na Lei Federal de número 5.081, de 24 de agosto de 1966, que regulamenta o exercício da Odontologia.

“Por lei, o cirurgião dentista pode realizar qualquer tipo de procedimento odontológico. O cirurgião dentista pode aplicar botox? Pode, porque a legislação garante esse direito para ele. Mas se ele vai ou não fazer, depende da capacidade técnica dele. Ele pode fazer, mas a gente recomenda que os profissionais busquem se capacitar. A resolução apenas regulamentou a especialidade, mas os procedimentos já eram feitos”, explica o dentista. 

No dia 14 de maio deste ano, o CFO publicou uma nova resolução que “autoriza e regulamenta a suspensão cautelar de cirurgião-dentista cuja ação, decorrente do exercício profissional, coloque em risco a saúde e/ou a integridade física dos pacientes, ou que esteja na iminência de fazê-lo”. 

Respostas dos Conselhos

A Frisson entrou em contato com o Conselho Federal de Odontologia e o Conselho Regional de Odontologia do Ceará e questionou sobre qual será a conduta dos órgãos perante às denúncias em relação às resoluções e como ficará a fiscalização de dentistas que estão fazendo procedimentos sem a especialização em harmonização orofacial. 

Por meio de nota, o presidente do Conselho Regional, Gládyo G. Vidal, reforçou que a Harmonização Orofacial é especialidade do profissional e, portanto, tem sua atividade legítima. “Essa área tem evoluído em ciência, na sua regulamentação, e  certamente, excessos por parte dos profissionais serão apurados e quando houver, serão coibidos com o rigor da legislação vigente, sempre buscando a proteção da sociedade e o prestígio da Classe”. O presidente, entretanto, não se pronunciou sobre os casos irregulares.

Já Joaquim Oliveira Pimentel, presidente da Comissão de Fiscalização CRO-CE, indicou que a fiscalização do Conselho ocorre a partir de denúncias e buscas ativas, indicando que a punição desses profissionais depende de um processo administrativo. 

O Conselho Federal postou uma nota em seu site na noite desta segunda-feira, 21, reforçando o reconhecimento da harmonização orofacial e a responsabilidade do profissional com o bem estar de seus pacientes, e reforçando que os casos de irregularidades devem ser analisados e julgados individualmente.

Veja, na íntegra, a nota do CFO:

NOTA PÚBLICA DO CONSELHO FEDERAL DE ODONTOLOGIA SOBRE A REPORTAGEM DO PROGRAMA FANTÁSTICO - REDE GLOBO - 20/06/2021

Em atenção à reportagem veiculada pelo programa Fantástico, da TV Globo, neste domingo, 20 de junho, o Conselho Federal de Odontologia (CFO) vem a público: 

REAFIRMAR a inquestionável e inequívoca autorização contida na Lei Federal n 5.081/1966 e demais normas legais, bem como a competência técnica do CirurgiãoDentista habilitado, para a execução do conjunto de procedimentos correspondentes à Harmonização Orofacial, como especialidade odontológica já reconhecida. 

REAFIRMAR também o compromisso do Sistema Conselhos de Odontologia com a fiscalização do exercício profissional, e com a regulamentação da atuação ética dos profissionais, já demonstrada por meio da recente edição das Resoluções CFO 198/2019, 230/2020 e 237/2021, que tratam respectivamente: do reconhecimento e regulamentação da Harmonização Orofacial como especialidade odontológica; da declaração de procedimentos vedados em odontologia; e, a última, que trata da possibilidade de suspensão cautelar do exercício profissional, como forma de proteção da sociedade. Atos esses que são contrários aos argumentos das entidades preocupadas exclusivamente com interesses particulares de seus associados.

INFORMAR E ESCLARECER que eventuais descumprimentos da legislação vigente por profissionais, bem como os casos isolados de eventuais e possíveis erros na execução de tais procedimentos, e também resultados insatisfatórios dos mesmos, devem ser analisados e julgados individualmente. Cada caso, particularmente, e respeitando as garantias constitucionais da ampla defesa e do contraditório aos acusados, como prevê o ordenamento jurídico brasileiro, e da mesma forma que ocorre na fiscalização do exercício profissional de todas as profissões de saúde regulamentadas.

REPUDIAR a fala do representante do Conselho Federal de Medicina na referida reportagem, que se utiliza de argumento equivocado e distorcido, ao citar que a Lei 12.842/2013 (lei do ato médico) vem sendo descumprida, uma vez que a mesma não alcança os Cirurgiões-Dentistas no exercício da odontologia, conforme previsão expressa e cristalina do § 6º do art 4º da referida lei, evidenciando assim, desconhecimento do representante sobre o tema em discussão. 

REPUDIAR também, de forma veemente, a menção desrespeitosa do representante da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica aos Cirurgiões-Dentistas e ao Conselho Federal de Odontologia, autarquia federal criada por lei, e com legitimidade para realizar todos os atos realizados até aqui, sempre prestigiando o interesse público acima dos interesses privados e individuais, ou seja, o acesso da população a tratamentos seguros, regulamentados e com profissionais habilitados, competentes e éticos.

Posto isso, é necessário destacar o importante papel da Odontologia e dos Cirurgiões-Dentistas nos serviços de saúde, colocando, mais uma vez, o Conselho Federal e os Conselhos Regionais de Odontologia à disposição da sociedade, dos demais órgãos fiscalizadores e, principalmente, dos veículos de comunicação, com o compromisso de sempre levar a informação correta e segura a toda a população.

Juliano do Vale 
Presidente do Conselho Federal de Odontologia

 

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