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Atletas de endurance e os testes de limiar


Tom Dumoulin (Foto: Divulgação)

Os atletas de endurance sempre se deparam, em um período do ano, com os "testes de limiar". Na nossa realidade, esse período está no início do ano, entre o retorno das festividades de fim de ano e o Carnaval. As dificuldades são diversas para a execução do teste, desde a escolha do dia até o tipo de percurso. Porém, os testes de limiar podem ser repetidos ao longo do ano, de acordo com a necessidade de cada atleta, equipe e treinador.

Os testes de limiar são realizados em atletas de endurance com as seguintes finalidades, dentre outras:

-Prescrever intensidades adequadas para o treino aeróbio;
-Prever a performance em atividades de endurance;
-Avaliar a forma do treinamento atingido e a ser alcançado.

A denominação "testes de limiar" gera certa controvérsia entre os estudiosos do assunto, mas acabou se tornando a forma mais simples de chamá-los. Para limiar, entendemos que seja o limite de algo e, no caso do exercício, é o término da utilização do oxigênio pelo corpo. Quando o exercício deixa de ser aeróbio e se torna anaeróbio. Chamávamos "testes de limiar anaeróbio", para depois "testes de limiar" e popularmente "testes".

Durante a atividade aeróbia, o oxigênio é uma espécie de bateria, utilizando o metabolismo energético de carboidratos, gorduras e proteínas como combustível. A captação, o transporte e a utilização do oxigênio é o que vai determinar o nível de condicionamento do atleta de endurance. Para saber desta capacidade, existem os testes ergoespirométricos que estabelecerão o VO2máx, a medida utilizada para quantificar a capacidade máxima que o organismo tem em absorver oxigênio (unidade em ml/kg.min ou MET).

Para realizá-los, é preciso um ambiente próximo do ideal e com equipamentos sofisticados, não muito práticos para a realidade do dia a dia no treinamento dos atletas, tanto em orçamento quanto em oferta. Por haver também condições rigorosas para validar um teste de VO2máx, também não há consenso entre os pesquisadores, uma vez que coloca atletas em situações que não se aproximam da realidade de suas modalidades esportivas.

O teste de limiar é uma forma prática de avaliar o atual condicionamento do atleta, utilizando o próprio campo de treinamento e a modalidade que pratica. Para determinar esse limiar - a dolorosa notícia, talvez - é preciso colocar o corpo à prova. Colocá-lo no seu melhor rendimento por um determinado tempo. 

Para a corrida, utilizamos os testes de 3km, 5km e 10km. Sendo os de 3km e 5km mais utilizados para os iniciantes e os 10km para quem está com lastro no esporte. Mesmo assim, podemos considerar os testes 5km os mais fiéis para predizer o condicionamento, por ser uma distância fácil de recuperar para quem está treinado e uma distância atingível para quem está começando nos treinos de corrida. Enquanto que os de 3km seriam mais factíveis para atletas com certa dificuldade em manter a corrida por um longo período, os 10km têm a justificativa oposta.

Para o ciclismo, existem os testes de 20min, 40min e 60min. Seguindo uma linha parecida com a da corrida. No entanto, o de 20min tem menos chances de acontecer algum imprevisto (como tráfego, percurso com retornos, subidas ou descidas que demandam ajustes de esforço, etc.) durante o teste de campo. 

Para a natação, podem ser feitos os testes de 400 (2x 400), 300 (3x 300), 400/200, 200 (6x 200) ou mesmo de 1km e 3km. Dependendo da prova que o atleta tem como objetivo, da técnica e do condicionamento físico, as distâncias para a natação sofrerão estas variações. Na piscina ou em águas calmas darão maior credibilidade, por manter um esforço parecido durante quase todo o teste, sem interferências de corrente, vento ou ondas, por exemplo.

No caso de um teste para o triathlon, um sprint ou alguma combinação que tenha a corrida entre 1/3 e metade do final do teste pode dar uma ideia de quais ritmos e como a frequência cardíaca se comporta em simulações parecidas com o que triatleta irá ser desafiado.

Se o atleta que está treinando alguma destas modalidades não conseguir completar quaisquer das distâncias mínimas é porque o oxigênio ainda não prevalece na modalidade e o objetivo do teste pode ser alterado para o desafio de completar a distância no menor tempo possível, com menos interrupções, sem a necessidade em determinar zonas de treinamento.  

É natural o temor, a ansiedade ou falta de motivação para fazê-lo. Afinal, o teste além do estresse natural ao corpo, também sobrecarrega psicológica e emocionalmente. Uma série de questionamentos ocorrem quando a palavra "teste" surge na planilha.

Antes: As dúvidas pairam em torno das expectativas, quem está sendo testado espera alguma performance parecida ou melhor do que a última. Ou mesmo a dúvida está se é possível completar o teste;
Durante: O atleta se pergunta se está muito forte ou se está preservando demais. O pensamento mais comum durante o teste é parar, por causa do cansaço ou do tempo que está levando. Outro fato bastante usual é a vontade de diminuir trajeto ou alterar rota;
Depois: "Será que dei o meu melhor?"; "Por quê fui pior que da última vez?"; "Poderia ter segurado/forçado mais".

São questionamentos e dúvidas que fazem parte do processo. Um dos resultados do teste é justamente colocar o mental para funcionar, condicionar o raciocínio. Colocar o atleta em situação semelhante ao que ele será exposto durante uma prova. A diferença do teste para a prova é que ele irá determinar o caminho para chegar nela, enquanto que a prova é a consolidação deste caminho.

Uma das estratégias que utilizo para me testar é não ficar de olho no relógio no início. Tentar deixar o corpo me dizer o que posso fazer. Dizem que o ideal é não olhar de jeito nenhum, prefiro dizer que se evite olhar demais, sabemos como nós reagimos.

Outra forma de avaliar se você está fazendo o esforço correto durante o teste é a respiração. Se começar a ficar fora de controle, tente diminuir o passo para retomar o quanto antes. O descontrole da respiração é um dos sinais de o que oxigênio não está mais sendo captado ou transportado ou utilizado, colocando em xeque o teste. Agora se estiver fácil demais respirar, acelera! Ainda tem muita coisa pra tirar daí!

A forma técnica também é uma referência. Quando você não está mais conseguindo fazer o gesto, é porque os músculos envolvidos não estão conseguindo mais receber o oxigênio transportado pela circulação sanguínea, não estão conseguindo utilizá-lo para gerar energia ou pode ser que o coração não esteja mais conseguindo bombear a quantidade de sangue necessária para a atividade tanto pela pressão quanto pela demanda energética. Ou você tenta diminuir ou a parada será inevitável.

Seria ideal conseguir manter o mesmo ritmo do início ao fim do teste. Mas, acredite, poucos conseguem realizar desta forma. Então, supere isso. Tente fazer o que você pode fazer melhor e isso exige um mínimo de pensamento estratégico. O teste acaba tornando uma forma de aprendizado para as provas que virão durante o ano, a tática será treinada no processo.

Um detalhe que chamou a atenção nos estudos, foi que os atletas realizam melhor os testes quando estão em grupo do que sozinhos. Uma hipótese levada em consideração é que os atletas lidavam melhor em situações semelhantes ao que estão acostumados em competições.

Findo o teste de limiar, as zonas de intensidade podem ser determinadas. A qualidade do treino será adequada às necessidades do atleta. Uma delas é saber o nível mínimo de intensidade que deve ser realizado para que o atleta tenha algum ganho ou até seja considerado ativo, para que se evite uma situação não tão rara que é de pessoas ativas esportivamente, mas que estão em condições físicas semelhantes a de sedentários. 

Muitas vezes, acabamos tão ligados nas distâncias a serem percorridas, que acabamos colocando de lado o fator intensidade nos treinos. Para saber se estamos em níveis ideais de treinamento, precisamos ter ciência do quão mínimo e máximo de intensidade podemos realizar.

As adaptações e as alterações fisiológicas dos treinos de endurance levam cerca de 12 a 16 semanas para começarem a aparecer. Portanto, os testes podem ser realizados em intervalos de tempo parecidos com isso. Como durante esse tempo algumas provas são realizadas, os testes acabam sendo colocados para adiante e as provas sendo referência para as zonas de intensidade do próximo ciclo. E se houver interrupção nos treinamentos, seja ela de qualquer natureza, os testes continuam sendo válidos ou até mais valiosos! Serão uma atualização de como você está.

Sempre que vamos realizar testes na assessoria, me ponho no lugar dos atletas, é perceptível aquela apreensão ou uma certa fuga. Se você se sente assim num teste, parabéns, você é um ser humano. Todos - eu disse TODOS - os atletas tem sentimentos parecidos com esse. Como você os utiliza é determinante. 

Procure manter uma atitude positiva. Um pensamento engraçado passou na minha cabeça antes de iniciar o último teste que eu realizei: "Desculpa, corpo. Mas vou forçar a barra agora." Foi uma forma de 'quebrar o gelo' e encarar os 5km mais difíceis dos últimos 4 anos!

Um ponto que devo registrar é a capacidade em aceitar o que você fez. O teste não é necessariamente um dia para bater recordes, pode até acontecer, ou uma forma de nivelamento entre os atletas. O teste é o que vai determinar o que serão seus treinos a partir de então. 

Tive uma experiência que enriqueceu meu jeito de encarar os treinos. É verdade que tive dificuldade em aceitar a realidade durante os últimos três ou quatro anos e até escapei de alguns testes que deveria fazer. Um dia teria que aceitar aquele limiar na corrida piorado em quase 20 segundos por quilômetro! A atualização das zonas foi de apertar o coração, mas foi como descarregar um peso de cima de meus ombros e destravou alguns métodos em trabalhar meus próprios treinos. 

É fato que após um teste destes você sai fortalecido: física, mental e emocionalmente. Tudo que um atleta de endurance precisa.   

FOTO - Tom Dumoulin, campeão do Giro d'Italia e mundial contrarrelógio em 2017, anunciou uma "licença" na carreira para refletir. Atleta holandês de 31 anos. O seu anúncio não chegou a ser uma surpresa, Dumoulin foi um desses atletas que me marcou, pela forma de pedalar, como ele venceu o Giro d'Italia é admirável. Eu me prometi fazer uma postagem sobre ele! Deve vir coisa boa por aí.

BRENO LEAL LIMA
CREF 4818-G/CE
Instagram pessoal: @brenoleallima
Instagram blog: @br3no_blog

 

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