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Pedro Boaventura é arquiteto, professor e artista, às vezes tudo ao mesmo tempo; confira entrevista

Bom de prosa e animado em contar sua história, Pedro Boaventura conversou com a Frisson sobre sua trajetória, com muito bom humor, sua atuação nas redes sociais e seus projetos

Foto: Lino Vieira 

Das várias definições da arte ao estudo da história da moda. Da teoria da arquitetura à curadoria. Falando desses e de vários outros temas relacionados, o professor, arquiteto e artista Pedro Boaventura é versátil, inquieto e criativo. Movido pela oportunidade, e inspirado pelo acaso, Boaventura atualmente é professor da Universidade de Fortaleza e ministra cursos na Galeria Multiarte. 

Artista democrático, o professor parece ver a vida de forma simples, mas sem ignorar seus verdadeiros talentos, que envolvem inspirar pessoas pelo ensino - muitas vezes fora do formato tradicional -, e de comover (e ser comovido) por meio da arte.

Bom de prosa e animado em contar sua história, Pedro Boaventura conversou com a Frisson sobre sua trajetória, com muito bom humor, sobre sua atuação nas redes sociais e seus projetos e desejos para 2023. Confira: 

Como o senhor se descobriu na Arquitetura? Pode relembrar o momento em que decidiu que queria ser arquiteto? 

Pedro Boaventura: Eu percebi a influência que me fez várias noites que eu passei numa mansão, uma residência fabulosa construída pelo arquiteto Acácio Gil Borsoi. Eu era um garoto de dez anos e, durante esses anos, meu pai visitava a minha tia, dona dessa mansão, e eu, um garoto "cabeçudo", ficava perdido em casa.  Essa casa era extraordinária! A decoração interna era da Janete Borsoi e os acabamentos eram incríveis. E eu percebi como essa casa ficou na minha memória. Um dia, vi ela sendo demolida. O que me sobrou foram umas fotos de uma reportagem de revista. Isso foi muito construtivo na construção da minha personalidade de espaço, porque todos nós somos muito territoriais. Tudo o que queremos quando jovens é uma casa na árvore, é um clubinho...

Outra influência marcante é que, quando eu era garoto, minha família se mudava muito. Eu vasculhava as novas ruas, quando os bairros ainda eram tranquilos. Nesses passeios, fiquei impressionado por um prédio que eu não entendia, que era a Assembleia Legislativa do Ceará. Ele não tinha porta, não tinha janela, era só um bloco de concreto.

Mas a minha decisão mesmo pela arquitetura veio no momento em que eu precisei fazer o vestibular. Fiz pra história e arquitetura, passei nos dois, em terceiro e sétimo, respectivamente, mas optei pela arquitetura, porque eu já desenhava desde garoto. O grande brinquedo da minha infância foi um conjunto de bloquinhos de madeira de construir, o lego…

Frisson: E o que inspirou o senhor a ser professor? 

Pedro Boaventura: Eu me tornei professor de súbito, quando um amigo meu que ministrava disciplina no recém-criado curso de design de moda da Universdiade Federal do Ceará (UFC) perguntou se eu não queria substituí-lo. Eu fui, me dei muito bem, ajudei a criar as ementas da disciplina de teoria da forma e da cor, assunto que eu estudo até hoje,  como também desenho técnico, desenho artístico, história da Indumentária… Tudo foi puxando habilidades e conhecimentos que eu tinha, que já estavam embutidos no meu conhecimento de arte, que vêm desde garoto, e foi uma experiência muito boa e rápida. Passei quatro anos lá, fiz concurso quando abriu vaga, mas não passei.

Depois ministrei na fundação da Faculdade Marista, e um dos colegos da UFC me chamou para ajudá-la a fazer o plano pedagógico. Lá fiquei dez anos, estudando sociologia da moda indumentária, história da moda e do comportamento, teoria da forma e da cor, criação e execução de estamparia, desenho artístico para moda… Foi uma super experiência. Passei um ano na Fanor e fui para a Universidade de Fortaleza, e muitas das pessoas da direção do curso de arquitetura eram pessoas que eu conhecia, que sabiam o que eu fazia, e então me tornei professor. O que me fez um bom professor foi uma atitude relacional, foi conhecimento e vontade genética de gostar de explicar coisas. É um desejo que os outros se esclareçam. 

Frisson: Quais são os seus valores como docente? E o que lhe inspira a seguir a profissão? 

Pedro Boaventura: Eu me preocupo em exercer a docência. Sempre me dei muito bem atendendo as pessoas, olhando a pessoa em cada aluno. Diria que tenho capacidade de explicar coisas com simplicidade, de atualizar para a linguagem, de fazer entrar na cabeça das pessoas as coisas mais complexas, com simplicidade. Na arte, por exemplo, me irrita como as pessoas complicam o que pode ser dito de maneira muito direta. No fundo, acho que elas nem entendem ou entendem superficialmente (risos). 

Frisson: Nessas mais de três décadas na sala de aula, com certeza o senhor ensinou muitas pessoas. Mas o que diria que aprendeu com seus alunos? 

Pedro Boaventura: Eu aprendi coisas da vida. Como quando um aluno tem família, filho, mas está aqui às 19 horas, entrega trabalho em dia, enquanto eu procrastino. Você aprende porque você olha pra elas e você mesmo tira alguma coisa que às vezes elas nem sabem que tem. E hoje tenho uma cartela de ex-alunos que são profissionais em várias áreas. O que me inspira a prosseguir é porque eu gosto, é espontâneo. Sou geminiano, muito comunicativo, gosto de ter aquela audiência de pessoas me ouvindo, gosto de formar mentalidade, de influenciar. Adoro discutir, colocar questões difíceis.

Frisson: O senhor também vem mantendo uma presença educativa nas redes sociais. Como essas plataformas vêm lhe ajudando na educação?

Pedro Boaventura: Eu entrei no Facebook bem atrasado, colocava umas coisas e ninguém curtia (risos). No Instagram, entrei faz dois anos. Comecei mostrando minha vida, às vezes gostava, mas tenho até vergonha (risos). Porém, num determinado momento, percebi que é uma ferramenta da contemporaneidade e eu não posso não usar.  Minha saída foi utilizar a ferramenta como extensão do meu trabalho, mostrar a complexidade. Fui gostando, porque o Instagram tem uma linguagem. Eu precisava mostrar de uma maneira agradável, atraente, com música, coisas que eram muito complexas, ensinamentos muito complexos. E se você fizer de uma maneira acadêmica, com muito texto, com post, é chato. Então tem sido um exercício de concentração, de edição.

Frisson: A arquitetura e urbanismo possuem várias áreas e vertentes. Qual o senhor atua? Pode falar sobre suas especialidades na área?

Pedro Boaventura: Gosto da criação da arquitetura, da especificação, do acompanhamento de obra, da relação com as pessoas…  Tem também a área do design. Faço design de mobiliário em geral, incluindo reforma de interiores, e design autoral, peças mais específicas de criação. O estudo e a divulgação dos cuidados com o patrimônio, toda a área de ensino de arquitetura… O ensino guiado através de visitas a cidades… Arquitetura entra porque eu estou querendo falar de solidão, de vida… Está tudo muito ligado: a música, arquitetura, arte, moda… E mais recentemente, descobri a curadoria. Consigo entender os artistas com mais velocidade, o histórico… Consigo relacionar a produção deles de maneira clara, fazendo uma crítica sem elogiar demais, sem aqueles hermetismos como “sujeito ressignificou a línea”, “poética da transcendência”, que não explica nada. Fiz uma curadoria para a galeria “Ponto de Vista”, já escrevi a biografia de vinte artistas. Foi a minha estreia da curadoria.

Frisson: O senhor também integra a Galeria Multiarte. Pode falar sobre sua atuação lá, cursos que ministra etc? 

Pedro Boaventura: A Multiarte é um local especialíssimo. Tenho duas ou três turmas. Tem sido um crescimento muito grande. Victor Perlingeiro deposita grande confiança. Lá é um local muito especial, onde se trabalha com o Brasil inteiro. Eu sou muito grato. Os cursos variam. Eu vou falando, vou introduzindo assuntos novos. Visitamos o Casarão José Lourenço, o espaço cultural da Unifor… Mas é sempre um estudo crítico, nunca deixo de formar mentalidade crítica. 

Frisson: Como a arte e a arquitetura se conectam? E como se diferenciam? 

Pedro Boaventura: De todas as formas. Em um extremo está a arte e, no outro, há a arquitetura. No meio há mil momentos intermediários, são cinquenta tons de cinza (risos). A arquitetura e a arte se conectam em vários níveis. Não há definição precisa de arte, então a dificuldade começa daí. Mas em uma definição mais ampla, a arte é um produto da cultura que é capaz de modificar sua percepção sobre um assunto de forma que um trabalho científico, por exemplo, não poderia. Um exemplo: você ler um tratado científico sobre racismo e não se comove nem se transforma. Mas aí você vê um filme sobre o tema e saí com a vida mudada. A arquitetura, para chegar nesse poder, teria que abandonar seu lado funcional. Mas há pontos de contato. Inclusive, há arte que usa a arquitetura como ferramenta. 

Frisson: E como acredita que a arquitetura e a arte dialogam com o mundo? 

Pedro Boaventura: Elas são capazes de mudar uma percepção que você tem das coisas através da experiência com elas. Você sai de alguma forma transformado, sofre uma epifania, mesmo que pequena e momentânea, mas que se soma. Você é capaz de ter uma nova leitura sobre uma circunstância, uma situação, um assunto ou simplesmente uma ambiência ao viver aquela arquitetura. Ela está ligada à transformação de uma ideia anterior a um novo ponto. O mérito que a arquitetura e a arte trazem para a sociedade e para o mundo é esse, um poder transformador. Para que as pessoas pensem diferentes sobre coisas que devem melhorar, que podem melhorar. São vários assuntos, pode ser a crise climática ou a dificuldade da vida dos menos favorecidos. A arte não é só para ser bela, ela é para ser transformadora de ideias. O Nietzsche falava que, sem a arte, a gente ia morrer de verdade. Porque a verdade mata. Olha ao seu redor, a violência, a situação dos Yanomamis. A arte e o humor salvam a gente, mesmo que momentaneamente. 

Frisson: Quais são seus objetivos em 2023, tanto profissionais quanto pessoais?

Pedro Boaventura: Eu queria mostrar mais o que eu venho acumulando durante muito tempo e praticamente parei de fazer porque me ocupei com um milhão de coisas. Queria desenvolver mais as coleções de design. Eu quero pegar pessoas, falar, mostrar coisas, fazer visitas, ir na Pinacoteca. Eu nunca programei muito a minha vida. Quero continuar com o ensino, mas sem obrigações regulamentares.

 

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