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Filósofa da vida humana, Viviane Mosé fala sobre solidão na pandemia e do aprender a viver

Viviane conversou com a Frisson sobre as novas ideias trazidas pela pandemia, da necessidade de aprender e viver e de outros assuntos que permeiam questionamentos culturais. Confira

Foto: Divulgação

Filósofa, poeta e uma grande pensadora da sociedade contemporânea. Os títulos e reflexões da escritora Viviane Mosé são muitos. Doutora em filosofia pela UFRJ, costuma trabalhar temas como ética, psicologia, cultura e sociedade, fazendo diagnósticos sobre a situação humana e prevendo cenários precisos e pertinentes. 

Autora de livros como “A escola e os desafios contemporâneos” (2013) e “A espécie que sabe” (2011), é hoje um dos principais nomes da sociologia brasileira.

Viviane conversou com a Frisson sobre as novas ideias trazidas pela pandemia, da necessidade de aprender e viver e de outros assuntos que permeiam questionamentos culturais. Confira a entrevista: 

Frisson: O lockdown do coronavírus fez com que muitas pessoas vivessem momentos de solidão. Como acredita que esse termo foi ressignificado? 

Viviane Mosé: A solidão foi imensa na pandemia, uma solidão forçada e muito difícil, cercada de morte por todos os lados, de falta de atendimento, de descaso com a vida. A pandemia trouxe uma solidão muito sofrida, muito dolorida. Ao mesmo tempo, esse isolamento prolongado nos obrigou a uma relação de autoconhecimento. Esse autoconhecimento não necessariamente nos leva à paz e à tranquilidade. Ele pode levar a um aumento de conflito, então a gente viveu um aumento de conflito dado a um autoconhecimento forçado e difícil. Então, ainda não conseguimos fazer a síntese do que aconteceu na pandemia, nessa solidão da pandemia. Eu, pessoalmente, tive muitos ganhos, mas eu tenho uma relação muito boa com a solidão. Mas essa solidão obrigada ela trouxe novas portas. Nós só vamos perceber isso com o decorrer do tempo. Mudanças significativas como estas vão aparecendo socialmente, coletivamente em alguns anos. Espero que a gente possa assistir a esse novo aprendizado humano, de lidar consigo mesmo.

Frisson: Quais mudanças você percebe na sociedade no pós pandemia? 

Viviane Mosé: A pós-pandemia ainda não aconteceu, mas nesse início de vida sem tantas restrições, o que fica claro é uma nova relação com o trabalho remoto, por exemplo, que a gente precisa ordenar e configurar melhor no que diz respeito ao trabalho, às regras de trabalho, às leis, pra que ninguém fique prejudicado. Mas nós conquistamos o trabalho remoto, a diversão remota, os atendimentos médicos remotos. Podemos fazer uma consulta médica sem sair de casa, e é realmente um ganho pro trânsito, pra gente que tem que se deslocar. Então você só procura um médico presencial se tiver que fazer um exame local. Se não, numa consulta inicial, é possível fazer inclusive análise, aulas de dança, de instrumentos, de música. Esse é um ganho maravilhoso da pandemia.

Frisson: Ainda, a arte teve seu valor reconhecido na pandemia, quando as pessoas possuíram ela de companhia. Como a arte pôde ser um escape nesses dias de solidão?

Viviane Mosé: A arte nunca é um escape. A arte é uma necessidade, como um alimento, como o ar que a gente respira. Um povo sem arte é um povo que não vive, se arrasta, sobrevive. A arte é o alimento pra alma. Assim como o pensamento precisa de palavras, de inteligência, de articulação, de discurso, a gente precisa a sensibilidade, precisa da conversa feita por meio da arte, da poesia, da ‘mujo’, que é um tipo de pensamento, um tipo de pensamento que acontece por meio dos afetos e não dos conceitos das palavras. Então sem arte, a gente se torna mais violento. 

A gente aprendeu na pandemia que a gente pode trocar arte por meio da virtualidade e podemos abrir ainda mais esse espaço em momentos de restrição, de solidão imposta, no caso de uma doença, de uma pandemia, de um acidente ambiental ou qualquer outra situação que nos obrigue ou mesmo que não nos obrigue, que a gente tenha gosto por esse tipo de degustação artística. A arte será cada vez mais fundamental na recuperação da alegria. A pandemia trouxe muita tristeza. Essa tristeza está presente nos adolescentes, nas crianças, nos velhos, nos adultos. A gente precisa de muita alegria, muita força pra retomar a civilização, especialmente colocando a partir de novos valores. Não é que a pandemia como autoconhecimento nos trouxe novos valores, novos valores vem pela necessidade, uma crise ambiental, uma crise sanitária muito séria, uma crise econômica, uma [crise] de igualdade social como a gente vive… A gente realmente ama, a gente precisa mudar os valores por uma questão de sobrevivência. Por exemplo, aprender a colaborar. Então essa nova essa nova sociedade que configura já vem a partir de novos valores, por necessidade mais do que por vontade ou por bondade

Frisson: Em seu livro, “A espécie que sabe”, você fala que o homem moderno tenta construir um mundo melhor do que o oferecido pela natureza. Acredita que estamos caminhando para um mundo melhor?

Viviane Mosé: Eu digo que o humano moderno queria construir na Terra um tipo de natureza artificial. Mas o que ele fez foi destruir a terra. Esse lugar que ele construiu aqui, que a gente chama de civilização, destrói o chão em que pisa e esse é o nosso desafio contemporâneo. Para que a gente tenha uma saída contemporânea pros imensos abismos que vivemos, nós temos que ter a modéstia de construir uma sociedade que componha com a natureza e não que se sobreponha a ela, tentando fazer algo superior ou maior. Nós somos menores. A natureza representa todas as galáxias, não apenas a terra. Então nós somos submissos à natureza. Por isso temos que construir uma uma civilização em parceria com ela. E não tentando vencê-la.

Frisson: Em outra entrevista, você mencionou que nosso objetivo deve ser aprender a viver. Como podemos fazer isso?

Viviane Mosé: Aprender a viver significa que a felicidade é um mito, um mito que está sempre por trás da venda de um produto. A gente compra sempre um produto acreditando que ele nos trará felicidade. Felicidade é uma hipótese, uma ideia de perfeição, de complementação que de fato a gente nunca atinge, sempre escapa muito rápido. A ideia de aprender a viver e não ser feliz é que a vida nos apresenta situações e quanto mais a gente aprende a lidar com elas, mais proveito a gente tira, não é? Então viver é aprender a viver. Quanto mais você aprende a viver, mais a gente vive melhor, porque aí está aquilo da pergunta anterior. Aprender a viver é assumir que a vida é uma parceria da gente com o acontecimento que está muito além da gente. Então, se submeter ao acontecimento a entender que a gente não controla as coisas, mas a gente pode atrapalhar em parceria com elas. Essa é a ideia de aprender a viver melhor. 

Frisson: Como acha que começaremos 2023, após um ano com o possível final de pandemia, eleições e até Copa do Mundo?

Viviane Mosé: 2023 a gente espera que seja um ano onde a pandemia tenha saído do nosso País, do mundo, mas a gente não tem muito controle sobre isso. Infelizmente, estamos à mercê inclusive de novas ondas, mas é um desejo imenso de que a gente tenha saúde em 2023. Então, não podemos ter certeza que não teremos pandemia, mas podemos ter certeza, e essa na verdade, é uma expectativa favorável minha, que em 2023, o Brasil vai ter outro rumo. Que a gente não vai mais cair na cilada que caímos de um mito de uma promessa. Horrível que o Brasil caiu de um governo que lutou contra a população e que nos deixou na situação fome, miséria, morte, sofrimento, descaso, desrespeito às comunidades, aos povos tradicionais, às mulheres, à educação, no desrespeito à natureza. É realmente muito triste tudo que vivemos neste último governo. Então, o que a gente espera em 2023 é que a situação política seja diferente no Brasil.

 

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