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Confira na íntegra a entrevista exclusiva do ex-presidente Lula para o Grupo Cidade de Comunicação

Ministrada pela jornalista Patrícia Calderón, a conversa ocorreu no último dia 23 de agosto e integrou diversas plataformas do Grupo Cidade

Foto: Lino Vieira

Em visita ao Ceará, o ex-presidente Lula concedeu uma entrevista exclusiva ao Grupo Cidade de Comunicação. Ministrada pela jornalista Patrícia Calderón, a conversa ocorreu no último dia 23 de agosto e integrou diversas plataformas do Grupo Cidade. Calderón discorreu  e questionou o político do PT sobre sua visão sobre o Governo Bolsonaro, seus 580 dias de cárcere, entre 2018 e 2019, e sobre planos futuros. A Frisson traz a entrevista na íntegra. Confira: 

Patrícia Calderón: Gostaria de começar a entrevista traçando uma linha do tempo dos 580 dias em que o senhor ficou preso, sem apresentação de provas após a denúncia do MPF envolvendo crimes de corrupção, sítio de Atibaia e o triplex de Guarujá. Passando por essa decisão do Ministro Fachin, o senhor vem voltando por cima e consegue novamente se tornar elegível politicamente falando. O senhor volta ao cenário político e se sente com sangue no olho, primeiro pela injustiça cometida pelo cárcere e pelo último sábado (22 de agosto), mais uma vitória na justiça, onde foi rejeitada a denúncia contra o senhor em relação ao sítio. Significa dizer que não há mais acusação. Com isso, 17 vitórias e nenhuma condenação dos processos até agora. O senhor teme alguma outra condenação em relação a corrupção? E se preocupa ainda com o assunto a ser discutido?

Lula: Eu sou um homem que crê muito em Deus. E eu acho que a minha prisão terminou sendo uma provação. Quem sabe aquilo estava colocado no meu destino para que eu pudesse provar à sociedade brasileira o que uma parte da elite brasileira é capaz de fazer para evitar que a gente continuasse a fazer política de inclusão social. Eu só posso entender que a preocupação que algumas pessoas têm com minha volta à presidência é a política de inclusão social. É você resolver o problema do povo pobre, é você dar comida, dar emprego, dar cidadania, dar universidade… A pessoa ter acesso às coisas que todo mundo deveria ter direito É a única explicação que eu tenho, sabe? 

Então eu, quando decidi ir para a cadeia - porque eu poderia ter saído do Brasil, tive vários convites para ir embora do Brasil, tive convite para embaixada -, decidi ir para a Polícia Federal porque era perto da Justiça Federal e eu precisava provar que o Moro era mentiroso. Precisava provar que aquela força tarefa de Curitiba era uma quadrilha. Aquilo não eram procuradores com a intenção de fazer bem ao Estado brasileiro. Aqui era um grupo de procuradores que resolveram se vender ao departamento de justiça dos Estados Unidos, se vender a procuradores da Suíça, para tentar destruir a minha candidatura e a minha imagem, para tentar destruir as empresas de engenharia no Brasil e tentar fazer o desmonte da Petrobrás porque, até então, nenhuma petroleiro admitia. A lei que nós fizemos, transformando o petróleo do pré-sal em patrimônio do povo brasileiro. Não sei você tá lembrada, a gente tinha decidido que 75% do royalty do petróleo seria destinado à educação nesse País. 

O que que a gente queria? A gente queria recuperar o atraso do século XX e fazer com que o Brasil fosse uma nação efetivamente bem formada, com todos tendo direito à universidade, à fazer pós graduação lá fora, porque não existe na humanidade nenhum exemplo de país que cresceu economicamente sem primeiro investir em educação. Então tudo isso foi desmontado pela força tarefa. Sabe quantos milhões de trabalhadores perderam o emprego por causa da Lava a Jato? Quatro milhões e quatrocentos mil trabalhadores perderam o emprego. Duzentos e setenta e dois bilhões [reais] deixaram de ser investidos pelo Estado brasileiro por conta da Lava Jato. Então, eu tinha a obrigação e eu não vou parar. 

Eu não voltei com sangue nos olhos não, eu voltei sabendo que esse País precisa de paz, de tranquilidade, de muito amor e muito carinho. Que esse País precisa de um presidente humanista, de um presidente solidário, que tenha capacidade de ouvir as pessoas para que a gente possa reconstruir o Brasil a partir das necessidades das pessoas mais pobres, das pessoas mais trabalhadoras, e não dos ricos. E é isso que me faz estar na luta outra vez. 

Patrícia Calderón: Esse sangue no olho que eu me referi é na questão de querer dar essa volta por cima e provar a inocência do senhor, como eu disse, são 17 vitórias e nenhuma condenação. Essa volta para as ruas, como a gente tá vivendo num País realmente com muito ódio, uma política totalmente agitada e a polarização muito enfatizada. O senhor se preocupa de sair nas ruas e ser chamado de corrupto, como o Bolsonaro é chamado de genocida? O senhor tem uma preocupação em relação a esses extremos?

Lula: Olha, veja que engraçado. A polarização existe em qualquer eleição, em qualquer parte do mundo. Não existe possibilidade de ter uma disputa eleitoral entre dois ou mais candidatos que não tenha polarização. Qual a polarização que nós temos no Brasil? Eu realizei muitas vezes com Fernando Henrique Cardoso, polarizei com Serra, com Alckmin. Nós perdemos duas, ganhamos quatro, correto? E toda vez que nós perdemos, voltamos para casa e fomos nos preparar para disputar uma outra vitória. 

As coisas começaram a mudar quando o Aécio foi candidato a presidente, porque ele não estava preparado do ponto de vista psicológico, da seriedade de ser candidato à presidência do Brasil. Perdeu as eleições e resolveu tentar ir na justiça e evitar que a Dilma tomasse posse, e começou a dizer que a eleição tinha sido deturpada. O que tá acontecendo de fato agora? Você tem uma disputa eleitoral, pelo menos nas pesquisas, porque a campanha não começou ainda, ela só vai começar a partir do ano que vem. Eu ainda não decidi se sou candidato. Mas você tem uma pré-polarização entre um candidato que tem uma história de democracia no seu passado e um candidato que representa o fascismo. Não é uma polarização entre dois candidatos, é uma polarização entre a democracia e o fascismo, entre um democrata e um genocida. É isso que está em disputa agora. Eu espero que entre mais candidatos, espero que todos os partidos se candidatem, que se encontre a terceira via, a quarta via, a sexta via. Quanto mais candidatos, melhor para o povo ter o que escolher. E no final, o povo vai escolher um. A escolha do Bolsonaro foi algo atípico na política brasileira.

Patrícia Calderón: A Lava Jato contribui para isso?

Lula: A Lava a Jato não contribuiu, ela foi quase que responsável. Veja a canalhice que o Moro fez liberando a delação do Palocci na semana da eleição. Uma delação mentirosa, forçada, uma delação preparada para que fosse colocada no ar daquele jeito. Isso me faz voltar para a política. Sendo ou não candidato, a minha inocência é uma questão de honra. 

Eu dizia antes, não sei se você lembra, quando eu fui prestar meu primeiro depoimento para o Moro, eu disse ‘olha, o senhor está condenado a me condenar, porque está permitindo que a notícia vá longe demais’. Isso eu disse no meu depoimento, eu tinha certeza. Aí eu já ganhei 17 [processos] e vou ganhar tantos quanto fizer. Eu desafio qualquer empresário, qualquer político, qualquer procurador, qualquer delegado da PF a provar um ilícito na minha vida. A minha tranquilidade é essa. Se eu tivesse culpa, eu teria feito como político ladrão faz. Ladrão faz delação, as pessoas honestas brigam. E por isso que eu resolvi brigar e por isso que eu estou aqui. Porque eu desafio as pessoas a fazerem qualquer denúncia. Eu fui educado por uma mulher analfabeta, mas ela deu caráter para o filho dela, deu dignidade, e disso eu não abro mão. 

Patrícia Calderón: Antes de partir para um próximo tema, eu queria finalizar a questão Lava Jato. O senhor se encontrou em alguma possibilidade com o juiz Moro depois da saída da cadeira, teve vontade de dar algum recado que não deu, se falaram, existe alguma coisa que ta na garganta:

Lula: Eu não posso dizer o que eu tinha vontade de falar para ele. Não é nem permitido falar aqui. O Moro saiu da minha vida. O que eu queria provar, eu provei. 

Patrícia Calderón: Mas ele voltando para o cenário político…

Lula: Ele pode voltar, até queria que ele fosse candidato, para ver quantos votos ele vai ter, o que ele vai falar nos debates, qual a proposta que ele tem no Brasil. O Bolsonaro foi uma criatura feita pela imprensa brasileira, a rede Globo de Televisão e a Revista Veja pariram de Bolsonaro. Pariram o Moro e o Moro é responsável por ter parido Bolsonaro. A democracia brasileira não merecia o que tá acontecendo no Brasil. Eu não tenho preocupação com o Moro ou com os procuradores. Juridicamente eu vou continuar brigando com eles porque eu quero derrotá-los na justiça. Agora, minha preocupação é a seguinte: nós tínhamos acabado com a fome neste País. A ONU reconheceu que o Brasil tinha saído do Mapa da Fome. E eu t vendo o povo passando fome. Você anda na rua agora e as pessoas tão com cartaz ‘eu preciso de comida, estou desempregado, eu era pequeno empresário, eu quebrei. Por favor, eu quero comida’. Isso tinha acabado no Brasil. 

Patrícia Calderón: E não são mais moradores de rua. A gente vê que são desempregados nas ruas.

Lula: São 15 milhões de desempregados, 19 milhões de pessoas passando fome e mais quase 40 milhões de brasileiros que estão em um sistema de insegurança alimentar. Ou seja, pessoas que não conseguem comer as calorias e proteínas necessárias. Eu tinha orgulho, porque uma vez eu vi um cara abrindo a porta do carro e falar assim para a televisão: ‘Eu vou comer picanha’. Agora esses dias eu vi uma mulher na fila de um açougue em Cuiabá para pegar um osso para levar para casa. Esse País tinha mudado, o povo tinha trabalho. Foram 20 milhões de empregos que nós criamos, milhões de pessoas que tiveram acesso às conquistas da cidadania. Esse País retrocedeu. Então nós temos mais desmatamento, mais desemprego, mais responsabilidade no tratamento da Covid-19, que a gente poderia ter evitado metade das mortes ou um pouco mais se nós tivéssemos feito aquilo com uma pessoas decente tem que fazer. O que uma pessoa decente deveria fazer? Deveria ter criado um comitê de crise, ter juntado os cientistas, juntado os governadores, o secretário de saúde ,criar um protocolo de informações para a sociedade, comprar as vacinas e aplicar no momento certo. Nós fizemos tudo errado e até hoje o presidente continua mentindo. Porque a preferência do presidente, o hobbie do presidente é mentir. Ele levanta de manhã e conta quatro ou cinco mentiras todo dia. Não tem uma palavra de alento. Um presidente que distribui armas, faz propaganda de armas, quando deveria fazer propaganda de livro, de educação, de tecnologia das universidades. Ele não faz. Imagina se essa gente não tivesse o SUS nesse País, o que não tinha acontecido com a pandemia.

Patrícia Calderón: Inclusive, por falar em pandemia, nós temos um líder que não usa máscara, aglomera, é contra a ciência, faz as motociatas nos estados, não fez uma coordenação adequada entre os governadores para poder chamar para assumir responsabilidade para a pandemia. Isso porque eu entrevistei muitos governadores, como João Dória [São Paulo], Camilo Santana [Ceará], Flávio Dino [Maranhão} e todos falam a mesma coisa, dessa falta de coordenação do Governo Federal em chamar prefeitos e governadores para uma única causa. Queria saber do senhor. Se o senhor fosse o presidente durante a pandemia, o que o senhor teria feito de diferente que o Bolsonaro não fez?

Lula: Teria feito tudo diferente e teria feito o que ele não fez porque ele não fez nada. Primeiro, o presidente da República não acreditou na pandemia. Não acreditando na pandemia, significa que ele não acreditava na ciência. Não acreditando na ciência, levou ele a começar a dizer que não precisava se preocupar porque era uma ‘gripezinha’, que só matava alguns velhinhos, que ele, como tinha sido atleta, que ele não ia ter problema. Começou a chamar de marica quem usava máscara, começou a provocar quem tentava evitar aglomeração, colocou os governadores, que começaram a se preocupar, como inimigos da sociedade. A coisa só não foi mais grave neste País porque a gente teve governadores que resolveram comprar a briga. Você pode começar pelo Doria, mas você pega o Consórcio do Nordeste, foi uma coisa extraordinária que foi feita nesse País. Os governadores do Nordeste se juntaram e falaram: ‘não, chega. Nós vamos dar um basta e vamos tentar cuidar’. E cuidaram. Aqui mesmo no Ceará, o Camilo enfrentou muitos reacionários que não queriam lockdown, que não queriam que as pessoas ficassem em casa. Mas ninguém dava um atestado dando garantia de vida para as pessoas. Foi a coragem dos governadores, foi a dignidade e abnegação do povo da saúde, do pessoal do SUS, que salvou este País. 

O que eu teria feito? Eu teria meu comitê científico, eu teria juntado meu ministro da saúde que entendesse de saúde, não os que ele colocou. eu teria chamado os secretários dos estados, teria constituído um protocolo, teria comprado as vacinas no tempo certo e teríamos dado a vacina. Vou te contar a história. Em 2010, surgiu a H1N1. Em três meses, aplicamos 83 milhões de vacinas. Já estamos há quase dois anos de pandemia e ainda não chegamos a 50% das pessoas com a segunda vacina, porque só a primeira é bom, mas não vale. É preciso tomar a segunda para as pessoas se sentirem protegidas. 

Mais ainda, já tem suspeita que talvez seja necessário um reforço para tomar a terceira vacina. Eu por exemplo vou tomar todas. Se tiver uma vacina para aplicar na testa e eu souber que ela vai curar a possibilidade de eu pegar uma doença, eu vou tomar. Não sei se você leu aquele casal nos Estados Unidos que era contra a vacina, a mulher pegou ,o marido pegou e os dois morreram, deixando quatro filhos. Já no hospital, a mulher falou pro médico: ‘eu quero tomar vacina’. O médico falou: ‘agora é tarde’. Então é isso. As pessoas têm que entender que não podem permitir que a ignorância, o ódio, o medo tome conta dela. Você tem que tomar a vacina, usar máscara. Eu e a Patrícia não estamos usando [máscara] porque estamos com um metro e meia de distância. Mas é importante que você se cuide, porque na hora que você pegar o coronavírus, você pode ser vítima da falta, como quase 600 mil pessoas tiveram. Não vamos ouvir o genocida do Bolsonaro, mas vamos ouvir aqueles que pensam no povo, a ciência, e vamos nos preparar para enfrentar porque não sabemos onde isso vai parar. Já saiu a tal da cepa indiana, que disse que é mais violenta, é mais rápida, e que nós precisamos nos cuidar cada vez mais. 

Patrícia Calderón: É inquestionável que o senhor é um dos maiores líderes políticos que o País já teve. Aos 75 anos, está com força e gás para continuar a sua luta na política. Dia desses o senhor fez um pedido ao Biden para que ele pudesse colaborar com o Brasil com doação de vacinas. Ele vai até fazer doação de vacinas, mas colocou o Brasil de fora dessa. O senhor acredita que o Brasil ficou de fora por picuinha política, até porque o governo Bolsonaro não conseguiu manter essa relação amistosa entre países como os Estados Unidos porque ele investiu tudo no Trump, ou porque realmente o Brasil tem condições financeiras de continuar vacinando a população? 

Lula: O Brasil tem tamanho, tem grandeza para tomar conta das vacinas e comprar as vacinas. E se não tiver dinheiro, emite dinheiro e compra vacina, não tem problema. O problema é que o Bolsonaro desrespeita a lógica do humanismo. Ele é um presidente que ninguém quer ver. Ninguém convida ele para vir visitar, ninguém quer vir aqui, ninguém quer tirar uma fotografia com ele. Eu tava vendo na imprensa agora que ele ta mandando um avião para buscar o presidente da Guiné-Bissau que é igual a ele. Ou seja, ele vai mandar buscar o presidente da Guiné Bissau que pensa igual a ele para mostrar que ele tem um aliado. A Guiné Bissau é um país muito pobre da Ásia que o Brasil deveria estar ajudando economicamente, estar mandando tecnologia, estar ajudando na produção agrícola, no desenvolvimento, mas não. Ele quer fazer política com um cidadão que é presidente do país talvez mais pobre do mundo que pensa igual a ele. 

Patrícia Calderón: Mas na opinião do senhor, por que ele insiste em não querer essa diplomacia com parceiros internacionais que pensem diferente?

Lula: Tem gente que gosta de ser ignorante. Tem gente que sente prazer em falar bobagem e que sente prazer em agredir os outros, de não acreditar nas coisas que todo mundo acredita. Não tem gente que acredita que a terra é plana? O Bolsonaro faz parte dessa turma, apesar de o ministro da tecnologia ter sido astronauta. O Bolsonaro, se você analisar o comportamento, por que ele não gosta de dar entrevista para a imprensa? Por que ele não gosta de ser distribuidor de notícias? Porque ele fala as bobagens que quer, ofende todo mundo. Ele não gosta de nordestino, de negro, de mulher, de LGBT, de sindicato, de trabalhador rural, ele não gosta de preservação ambiental. Ou seja, tudo que não pode ser feito, ele faz. Ele quer ser diferente. Essa é a vida desse cidadão. É lamentável e deplorável que em um certo momento da história do Brasil, em 2018, o povo, tomado por um ódio estimulado por parte dos meios de comunicação, votaram no ódio. Um povo que é pacífico, que é trabalhador, que é alegria. O brasileiro é alegria. Uma coisa que eu acho bonita é que o resultado do povo brasileiro, na miscigenação entre índios, negros e europeus, deu essa beleza que somos nós. Deu essa beleza ao povo que gosta de cantar, de dançar. Agora estamos sendo governados por um estimulador do ódio. E isso tem que parar.

Patrícia Calderón: O senhor sempre teve uma boa relação com chefes importantes, inclusive Obama. Por que o presidente insiste em não manter essa diplomacia, o senhor meio que já respondeu, mas ele insiste que a verdade dele sempre prevaleça, querendo ir contra tudo e todos. Isso pode ser positivo para ele, mas o povo brasileiro sofre com isso. O senhor teria uma resposta do que passa na cabeça dele? O Brasil virou chacota lá fora?

Lula: Virou. Virou chacota, não é levado a sério em nenhum país do mundo, o que é contraditório com o tempo que eu governava o Brasil, quando o FHC governava o Brasil. O Brasil era respeitável. Com o tempo que a Dilma governa… Nós éramos respeitados. Pela primeira vez na história do Brasil, um presidente foi convidado para participar nas reuniões do G8, e eu participei de todas as reuniões do G8, todas do G20, eu visitei mais de 134 países, ou seja, a gente tinha uma relação extraordinária com toda a América Latina, com o Caribe, com a África, com a Ásia, tinha uma amizade excepcional com a China, a Rússia, os Estados Unidos, com a Índia. Você não precisa brigar com ninguém para ter amizade com outro. O Brasil não tem contencioso internacional. 

Quando eu resolvi por exemplo abrir a Universidade Unilab, aqui no Ceará, em Redenção, que é a primeira cidade a abolir a escravidão, o que eu tava querendo fazer era pagar uma dívida histórica de 350 anos de escravidão. Então, como você paga? Dando formação para o povo africano, ajudando eles. Você sabe que eu fico vendo o Bolsonaro e fico imaginando a relação que eu tive com o Tony Blair e Gordon Brown [ex-primeiros ministros do Reino Unido]. A relação que eu tive com Sarkozy, com Chirac [ex-presidentes da França], com o primeiro ministro Singh da Índia. Com Hu Jintao [ex-presidente da China], com Putin [presidente da Rússia], com Medvedev [ex-presidente da Rússia], a relação com a Europa inteira. 

O Brasil virou protagonista internacional. Sabe o que é ser protagonista internacional? É você ser referência. Quando eu criei o grupo de amigos da Venezuela em janeiro de 2003, eu tinha menos de um mês na presidência e o Chávez [ex-presidente da Venezuela] estava com um problema com o Bush [ex-presidente dos EUA] e eu propus a criação do grupo de amigos, falei pro Chávez: ‘não é amigo seu, é amigo da Venezuela, que a gente vai fortalecer a democracia’. Coloquei os Estados Unidos para participar, a Espanha para participar, criamos o grupo e conseguimos realizar a mais tranquila eleição na Venezuela. É interessante porque os americanos ligavam para o Celso Amorim [ex-ministro das Relações Exteriores] para discutir o que fazer, como se comportar, e deu tudo certo. Quando você conversa, dialoga, ouve, é tudo mais fácil. E o Brasil é um País que todo mundo gostava. Agora nós viramos isso. Um para que ninguém quer conversar, ninguém tem vontade de nos convidar para nada, nós não falamos coisa com coisa, o presidente botou um ministro de relações exteriores que é inimigo de todo mundo. Predominou a ignorância. Acho que todo cearense, todo brasileiros sabe o que é um fanático, um torcedor fanático que não aceita entender nada, mesmo quando o time dele tá errado. O Bolsonaro é assim. É um fanático. O mundo dele é esse. Ele não tem relação com a sociedade civil, a relação dele é com militar. Quando é obrigado a conversar com o povo, ele não sabe.

Patrícia Calderón: Eu queria trazer essa realidade para cá. Se criou uma crise institucional, ele criou um pedido de impeachment contra um ministro da Suprema Corte, que é o Alexandre de Moraes, e também tá numa obsessão em relação a uma urna eletrônica. O senhor visualiza um possível golpe? E o senhor também já foi uma época contra o voto eletrônico. Queria que o senhor tentasse traçar um Raio X para onde o País está caminhando com essa crise instalada entre os poderes e essa obsessão que ele tem de não querer entregar faixa se tiver voto eletrônico. 

Lula: É verdade que quando surgiu, há quase 26 anos, o voto eletrônico, eu tinha desconfiança. Mas depois eu fui convencido pela realidade. O fato de eu ter sido eleito presidente pelo voto eletrônico é a mais forte razão para eu acreditar no voto eletrônico. O Bolsonaro não acredita porque ele e os filhos devem todos os mandatos dele à urna eletrônica. Por que ele agora quer falar de voto impresso? Porque ele quer criar confusão. Ele não sabe viver em clima de normalidade. Ele precisa criar caso, contar mentiras, fazer provocação para que ele continue aparecendo e a gente repercutindo as bobagens que ele fala. Quem deveria ser 'impeachmado' não é o Alexandre Moraes ou o Barroso. Quem deveria é o Bolsonaro porque já teve mais de 100 pedidos de impeachment que não foram colocados em votação pelo Rodrigo Maia [ex-presidente da Câmara dos Deputados] e agora tem pedidos gigantes de dezenas de entidades que o [Arhtur] Lira [presidente da Câmara dos Deputados] não quer colocar em votação. Ele deveria ser 'impeachmado' ou interditado pelo Supremo Tribunal Federal, porque dada a provocações e ameaças que ele faz todo dia, é uma assinta à democracia. O povo tem que entender que nós precisamos de instituições fortes. O povo tem que entender que a Suprema Corte não existe para beneficiar o presidente. Ela existe para fazer com que a constituição seja cumprida. Por isso que a gente diz que é uma espécie de garantia da democracia exigir que se cumpra a constituição. O Congresso é importante no Senado e na Câmara porque são poderes autônomos e isso tem que funcionar como se fosse uma família de forma harmônica, cada um cumprindo sua função. O que o Bolsonaro faz? Ele não cumpre suas funções, e mete o bedelho nas funções dos outros.

Patrícia Calderón: Inclusive estamos no quarto ministro da saúde, quarto da educação, que andou falando bobagens semanas atrás, onde crianças com deficiência ‘atrapalham’ as outras. Queria saber a opinião do senhor se essa dança das cadeiras do atual governo mostram um despreparo das pessoas que ele colocou no cargo?

Lula: Me parece que ele tem um dom de escolher gente errada para lugares errados na hora errada. O ministro da educação não falou apenas da loucura que crianças com deficiência atrapalham, também falou que a universidade é para poucos. Ele não consegue  acertar porque ele não tem convivência na sociedade. Ele [Bolsonaro] é um matuto que aprendeu tudo que aprendeu no curso que ele fez para ser tenente. Ele não virou capitão, capitão ele só virou quando ele se aposentou, porque quando se aposenta, tem uma graduação maior - pelo menos tinha. Esse é o mundo desse cidadão. Ele é totalmente despreparado. E ele fica procurando frases de efeito para pegar manchete, ele tem uma indústria de fake news. É uma indústria de mentiras que conta cinco mentiras por dia.

Patrícia Calderón: O senhor foi vítima essa semana. Fizeram uma fala do senhor, como se o senhor estivesse alcoolizado. Como o senhor lida com as fake news?

Lula: O pessoal que trabalha comigo dá mais importância para isso do que eu. Eu sinceramente tenho coisa mais séria do que me preocupar. Eu não posso ficar vendo meu celular para saber o que o Bolsonaro falou de mim. Primeiro nós temos que garantir a segunda dose para todo mundo, depois uma bolsa família de R$ 600 para garantir que as pessoas possam viver com um mínimo de dignidade, terceiro a gente tem que fazer esse país gerar emprego, e emprego significa crescimento econômico. Quando o País estiver crescendo e as empresas estiverem investindo, a gente vai ter milhões de empregos porque foi assim que nós fizemos. No meu tempo na presidência, você tá lembrando que com a crise do Lehman Brothers [crise de 2008], eu disse que aqui no Brasil seria uma marolinha. Ela pode chegar, mas ela vai acabar logo. O Brasil foi o último país a ter crise e foi o primeiro a sair. Enquanto a Europa desempregou 100 milhões de pessoas, nós no Brasil criamos 20 milhões de empregos formais. Legalizamos o direito da mulher empregada doméstica, a ter direito ao salário mínimo, jornada de trabalho, às férias… Nós produzimos o direito do pequeno produtor geral, ter garantia que ia vender seu produto. Aprovamos uma lei que 30% da merenda escolar tinha que ser comprada do interior, para que a cidade tivesse um dinamismo econômico próprio. Tudo isso está desmontado. 

Patrícia Calderón: O senhor acredita numa retomada rápida?

Lula: Acredito. Tenho dito todo dia ao secretário, tem uma coisa fácil de resolver, eu faço questão de falar. A solução do Brasil é simples. primeiro você tem que colocar o povo pobre no orçamento. Quando você for fazer o orçamento, você precisa começar a discutir qual a parte do povo pobre nesse orçamento. Você tem a parte do Itamaraty, das forças armadas, da saúde… Qual a do povo pobre? Você tem que colocar o pobre no orçamento. E em contrapartida, tem que colocar o rico no imposto de renda, porque rico não paga imposto de renda neste país, porque quem paga é você que trabalha e é descontado na fonte. Porque rico não paga dividendo, não paga sobre lucro, então é um país em que o pobre paga mais imposto de renda do que o rico, proporcionalmente. Então quando a dona de casa vai ao supermercado comprar um produto e atrás dela vai o presidente do Banco Itaú, o imposto que o presidente do banco paga é o mesmo que paga uma pessoa que ganha mil reais. Se você ganha sete mil [reais] por mês e o outro paga setecentos mil reais, quem ganha sete mil [reais] paga mais do que quem ganha setecentos. 

Por isso que eu estou viajando o Brasil, conversando com todo mundo. Eu não escolho partido para conversar. Quero sentir como está a pulsação emocional desse país, se as pessoas estão preocupadas em cuidar do País, em cuidar do povo. Eu fico discutindo, vendo as pessoas discutir, de que preciso de espaço fiscal para isso, para aquilo, tem lei da responsabilidade… Você vê que o Biden já largou a base monetária dele mais de 5 trilhões de dólares para tentar resolver o problema do povo. Aqui no Brasil, a gente poderia ter feito o mesmo. Esse País tem que pensar um pouco no povo, que nós só seremos um País grande e soberano quando esse povo estiver comendo, estudando, trabalhando, lendo e for tratado com respeito. 

Patrícia Calderón: Aqui no Ceará o senhor já conseguiu desenhar um palanque? Porque o governador Camilo Santana está bem dividido, porque ele deve respeito ao Ferreira Gomes e o senhor e o Ciro Gomes não estão conseguindo se entender para uma parceria eleitoral. Como está esse cenário? Eu sei que o senhor andou conversando com algumas pessoas…

Lula: Primeiro eu acho que o Camilo, ele tem que tratar os Gomes com muito respeito porque eles têm uma relação histórica. O Camilo diz para todo mundo que ele deve ao fato dele chegar como governador à relação dele com o Cid, que bancou a candidatura dele. Então você não rompe uma amizade dessa, é importante manter essa relação de respeito mesmo quando em determinado momento você tem divergência política. Então eu acho que o que a gente tem que levar em conta é o seguinte: ‘a gente pode fazer campanha política, você não precisa romper sua relação com ninguém, pode em determinado dizer que não vai votar nisso, vai votar naquilo’, você pode até dizer isso. Eu estou muito à vontade porque quando o Camilo foi candidato na primeira vez, o Eunício era candidato e ele era base de sustentação do governo da Dilma, então a gente decidiu não vir ao Ceará fazer campanha. Obviamente eu sei que o Camilo ficou chateado, mas até hoje a gente tem uma relação leal, digna e ela tem que continuar. O Camilo tem que manter a relação dele com o Gomes e não tem que haver rompimento, tem que haver conversa. Se precisar ter posição diferente, que se tenha. Tem muita gente que me pergunta, ‘mas o Ciro está atacando o Lula’. Deixa eu te falar. Eu fico imaginando se eu fosse o Ciro e ele fosse o Lula. e ele tivesse 40% ou 45% dos votos, e eu tivesse só 5%. Em quem eu ia bater? Eu não ia bater no cara que está atrás de mim, que tem 1%, eu ia bater no cara que está na frente. É assim. O Ceará está doido para derrotar o Fortaleza para o Fortaleza cair e para ele subir mais pontos. O Ciro tem que pensar em quem tá na frente dele, eu acho normal. E não pense que eu vou ficar com raiva, não. De vez em quando o Ciro fica mais firulento, mas você pode ficar certa que você vai ver essa campanha até o final e você não vai me ver agredir nenhum candidato.  A única coisa que eu vou dizer, que é preciso o povo saber, é que o Bolsonaro não é um ser humano normal, ele é um genocida. Tem guerras que matou menos gente do que gente que morreu no Brasil por falta de cuidado do Governo Federal, por falta de respeito à ciência e por ele ser um negacionista. 

Patrícia Calderón: O Governo Bolsonaro está no olho do furacão por conta da CPI da Covid, onde ele mesmo está sendo acusado de corrupção na compra de vacinas. Eu queria que o senhor falasse um pouquinho sobre a CPI da Covid se o senhor acredita que está caminhando para um desfecho para mostrar a verdade do que aconteceu e se o senhor acredita que o clã de militares que comandam a presidência no lugar do presidente Bolsonaro. 

Lula: O Bolsonaro não preside o País. Essa é a verdade nua e crua. Quem preside o País é, de um lado, os militares que estão no Governo dele, e no outro, o Guedes. Ele não sabe o que é governar. Qual é a anormalidade da CPI? É que se está criando a república da mentira. Todo mundo que vai lá, vai na Suprema Corte, consegue uma procuração para não dizer a verdade e fica mentindo. De repente você vê um cidadão que foi um general quatro estrelas, um ministro de saúde que não entende nada, foi lá para mentir. De repente, você vê uma quantidade de pessoas que pareciam sérias aos olhos da sociedade que vão lá para mentir. De repente você vê médicos importantes que vão lá para mentir. Agora eu acho que a CPI já tem material suficiente para pedir o impeachment do Bolsonaro e para pedir a prisão de muita gente.

Patrícia Calderón: Ele pode ser condenado lá fora por crime contra humanidade?

Lula: Eu acho que em algum momento o Bolsonaro vai ter dificuldades de sair do Brasil, porque ele vai cair nas garras de algum tribunal internacional porque o que ele fez nesse País foi genocídio. O desrespeito à ciência. Não é negar um médico. Ele nega as decisões da Organização Mundial da Saúde, ele nega o que a ciência do mundo inteiro está dizendo. Ele deveria estar orientando as pessoas a se cuidarem, todo dia de manhã dizer: ‘gente, vamos tomar vacina, vamos evitar aglomeração’. Ele não faz isso. Em algum momento eu acho que ele pode cair nas mãos de um tribunal internacional como o Pinochet [ex-ditador do Chile]. Ele tem que se cuidar, por isso que ele tem medo. O Bolsonaro age como se fosse um cidadão que está assustado porque sabe que quando ele deixar a presidência, ele pode ter muito processo e ser preso, ele e os filhos dele. Então ele fica tentando proteger, fica estabelecendo sigilo de 100 anos. Que maluquice, estabelecer sigilo para o Pazuello de 100 anos, para os filhos dele… Eu acho que o Bolsonaro está na contramão daquilo que a sociedade espera de um presidente, que é uma pessoa humanista, que fale de paz, de amor, de solidariedade, de fraternidade, e não um presidente que só fala de ódio, mentira, só faz provocação, quer processar não sei quem. É uma pessoa violenta. Ele não tem uma lógica de civilidade, de humanista. Tudo nele é para pregação do ódio, estimular briga, divergência, a mentira. É tudo que ele faz e eu acho que o povo está se cansando disso. Enquanto ele mente e come uma picanha com um fazendeiro que custa R$ 1.200, o povo tá comendo pé de frango, comendo osso, passando fome. Essa é a diferença entre o que está em disputa hoje. 

Patrícia Calderón: Eu queria saber como está a saúde do senhor. Há 10 anos, o senhor foi um paciente oncológico. Eu perdi meu pai esse ano por um tumor cerebral e sonhando com a segunda dose da vacina porque a administração da pandemia não colocou esses pacientes como prioridade. Acabou de ser vetada uma PL onde um dos maiores oncologistas do País, o Fernando Maluf, tratava de trazer as medicações de quimioterapia oral através dos planos de saúde, porque os pacientes precisam entrar na justiça para conseguir esse medicação, e o presidente vetou, falando que ele seria acusado de improbidade administrativa. Se o senhor fosse presidente da República em uma situação dessa, o senhor teria vetado uma PL tão importante, já que o câncer é o que mais mata no País?

Lula: O Bolsonaro mentiu. Ele vetou possivelmente porque foi atender aos planos de saúde, porque ele poderia ter atendido o congresso que aprovou o projeto de lei e a culpa não é do presidente. O projeto de lei foi aprovado, ele simplesmente sancionou. Você pode vetar um projeto que tem uma discordância, divide deputado, divide senador. Aí você pode vetar um projeto de lei. Mas quando uma coisa é aprovada com normalidade, a melhor coisa do mundo é o presidente sancionar. Ele não vetou com medo de processo. Ele vetou para atender aos interesses dos planos de saúde.

Patrícia Calderón: O senhor está bem de saúde?

Lula: Tô bem. Eu, graças a Deus, tento me cuidar. Tenho 75 anos de idade, de vez em quando eu digo que tenho energia de 30, porque eu não sinto o peso da idade. O pessoal que trabalha comigo sofre para me acompanhar nas minhas atividades. Essa viagem para o Nordeste nós levantamos todo dia 6 da manhã e vamos dormir todo diante entre meia noite e uma hora da manhã. 

Patrícia Calderón: Muitos telespectadores e ouvintes que vão acompanhar a gente através das plataformas digitais do Grupo Cidade de Comunicação, afiliada à TV Record, têm a curiosidade de saber os 580 dias em cárcere. O senhor chorou, leu a bíblia, ouviu música, teve raiva. O senhor teve três grandes perdas dentro da cadeia, que foi a companheira de uma vida inteira, um netinho e do seu irmão mais velho. Eu queria entender a pessoa Lula dentro da cadeia, o que ele sentiu? Planejou vingança, guardou rancor… O que ele fez?

Lula: Eu comecei essa entrevista dizendo que a minha prisão foi uma provação. Talvez tenha sido uma coisa de Deus para saber se eu teria capacidade ou não de resistir. O dia que eu cheguei na PF, que cheguei com minha mala, o carcereiro foi pedir para eu tirar o calção, o cordão do meu short, cadarço de sapato, aí eu falei com ele: ‘escuta ele, companheiro. Você acha que eu vou me matar? Eu vim aqui para provar que a PF, o MP, o Moro são mentirosos. E eu preciso tá vivo. Pode ficar tranquilo que eu não vou me matar Mas eu tomei uma decisão que é que eu não posso fraquejar. Se eu fraquejar aqui dentro, significa que eles me venceram. 

Patrícia Calderón: O senhor chorou alguma vez?

Lula: Chorei, eu pensava na minha família, nos companheiros. Mas o que me deu força? Na verdade, nunca tinha acontecido na história da humanidade uma vigília que ficaram 580 dias na porta da PF, gente que veio do Brasil inteiro, do exterior, todo dia gritando ‘bom dia, boa tarde, boa noite, presidente’. Enfrentando a PF, porque parece que tinha um delegado maluco que parece que se matou, que provocava eles. 

Patrícia Calderón: O senhor era bem tratado no cárcere? 

Lula: Eu era bem tratado, porque o seguinte, eu tinha tanta convicção do que eu ia fazer, de que eu ia vencer, que eu falei: ‘ eu não posso ficar nervoso, não posso ficar com raiva, doente, eu tenho que ficar inteiro’. Eu li muito, muito sobre história da África, da escravidão no Brasil e outras biografia, que eu adoro. Isso me fez viver. As pessoas iam me visitar, padres, pastores e advogados, e as pessoas queriam chorar, aí eu dizia que não apta chorar, era para sair de cabeça erguida porque eu to bem. 

Patrícia Calderón: E como o senhor encarou as perdas dentro da cadeia?

Lula: A coisa que eu tenho mais mágoa, pessoal, é que quando o meu irmão morreu, ele era o mais velho dos meus irmãos vivos. Ele era uma espécie de patriarca e eu queria ir pro enterro dele. E aí levaram o STF e tiveram uma decisão esdrúxula. Eu não poderia ir até a casa do meu irmão, mas poderia ir até o exército de São Paulo, e o ‘morto’ saia de São Bernardo e poderia me visitar. Mas em respeito ao meu irmão, eu tomei a decisão de não ir. Essas coisas são importantes para a gente ficar mais forte. E muito mais calejado, pensei muito nos governos que eu fiz, com o que aconteceu com a Dilma. Um dos dias mais sofridos foi o dia que eu tive que escolher a carta, o dia que o Barroso decidiu que eu era inelegível, mas o Barroso tomou aquela decisão, contrariando a decisão da ONU, que tinha tido que eu poderia ser candidato. Mas se eu ficar com raiva, eu não vou viver bem. Pense em um ser humano que está com a consciência tranquila, que tem clareza das coisas que tem que fazer nesse País. 

Patrícia Calderón: No dia da morte do netinho do senhor, um dos filhos do Bolsonaro foi até as redes sociais que aquele dia teria sido uma notícia ‘mais boa’ que ele tinha recebido, o que chocou todo mundo, independente de partido, de militância política. Com o senhor recebeu essa situação, que até hoje eu me arrepio.

Lula: Quando a minha mulher chegou no hospital com AVC, teve médico que era melhor que ela morresse. Esses caras não são humanos, não tem sentimento, não tem coração. Eu vou contar uma história que o povo precisava saber, o que é o bolsonarismo. O Bolsonaro colocou o filho vereador para disputar com a mãe. Imagina o caráter do pai e o caráter do filho. Primeiro do caráter do pai para mandar o filho para disputar com a mãe e o do filho por aceitar. E sabe qual era o discurso do Bolsonaro? ‘Na minha família só sobrevivem os mais fortes’. E o filho foi e derrotou a mãe. Esse tipo de gente não existe na cabeça honesta do povo brasileiro, não poderia estar ocupando o espaço que estão. 

Parcial Calderón: Isso entristeceu o senhor?

Lula: Entristeceu. Eu fico imaginando se alguém pedisse para mim, para brigar com minha mãe. Mãe é uma coisa sagrada, não tem nada mais importante na face da terra do que o ser humano que é mãe.

Patrícia Calderón: Presidente, para finalizar de verdade, como está o seu coração? Sei que o senhor agora tem um reduto no Ceará e que traz a Janja para poder namorar.

Lula: Tenho reduto não. Normalmente o PT, quando marca minha agenda, ele não pensa em lazer, só reunião, mas dessa vez, graças a Deus, a gente conseguiu deixar um domingo livre. Ai meu companheiro Camilo me convidou, fui para a casa dele, passei um dia maravilhoso lá em Redonda. Tomei um banho de mar que fazia anos que eu não tomava, comi peixe, caranguejo. Foi muito bom. 

 

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