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"Baixa intensidade na corrida", por Breno Leal

Breno Leal Lima é formado em Educação Física e há mais de 10 anos trabalha como treinador de triathlon, corrida, natação e ciclismo

Ronaldinho Gaúcho é o dono da foto da postagem. Tem a ver com colocar leveza nas coisas que fazemos, que ainda hoje é bastante questionado pelo exigente público que acompanha futebol. Vê-lo jogar daquele jeito foi um privilégio que tive. Foto: Divulgação

Temos que admitir que ninguém entra em qualquer programa de corrida para ficar devagar. Porém, quando é proposto correr em baixa intensidade, em um ritmo mais lento que estamos acostumados, surge a dúvida de quanto, quando e como é necessário.

As funções do treino em baixa intensidade para o corredor amador variam de acordo com seu nível de condicionamento e momento da temporada. Vão desde a recuperação até o ganho de aptidão, passando pela segurança de estar longe de lesões e aumentando a quilometragem.

Existe um estudo com corredores amadores no qual observou melhora na performance dos 10km no grupo que teve maior percentual de treinos em baixa intensidade, o link está no final da postagem, e consolida um método bastante famoso, 80/20 para os atletas de endurance.

Baseado nisso, podemos estabelecer que 80% dos treinos devem ser em baixa intensidade, enquanto que os outros 20% devem ser dedicados à alta intensidade. Assim, estaríamos colocando volume e carga de trabalho dentro de nossas possibilidades. Apesar disso, encontramos na prática dificuldades em correr de forma lenta.

Para quem está iniciando, a corrida em baixa intensidade soa quase um absurdo. O ato de correr em si demanda tanta energia deste público, que qualquer velocidade de corrida acaba sendo de alta intensidade. E bem dolorosa, tanto por estar incomodando em cada centímetro quadrado do corpo como também pela velocidade que está.

Já para quem está em forma, a preocupação em correr devagar é a perda do desempenho. O que também não deixa de ser à toa, caso a baixa intensidade esteja presente e os estímulos em alta não entram dentro proposto,  o resultado é de fato uma corrida mais lenta.

Outra dificuldade apresentada em sessões de treino em baixa intensidade é a capacidade de sustentar uma técnica de corrida nessa velocidade. Mesmo que o estímulo propicie a chance de estar mais atento na postura, é comum corrermos distraídos e sem grandes preocupações em correr com uma técnica eficiente.

Corrida em baixa intensidade é uma que você consegue conversar, refletir sobre vários assuntos, cantar. Mas também existem as métricas da corrida leve e pode variar entre 60 e 75% da sua frequência cardíaca máxima, tem também a velocidade de VO2máx que fica por volta dos 65-70% do seu limiar. Ainda que se encontre variações nos resultados de estudos sobre o assunto, os percentuais ficarão próximos aos limites colocados aqui.

Apesar das tentativas de precisão de ritmo e frequência cardíaca, teremos maior facilidade com a percepção de esforço. Dependendo da semana, do volume de treino, do acúmulo de estresse e da motivação, dentre outros motivos, o ritmo e os batimentos cardíacos estarã  em situações diferentes, e podem estar mais altos ou mais baixos do que os percentuais previstos.  

Uma sessão inteira em baixa intensidade considero válida para aqueles que correm de 5 a 7 sessões por semana ou para quem está em treinamento vigente para maratona, com 3 ou 4 sessões semanais. Enquanto que para os corredores em geral e os triatletas é mais produtivo outra atividade leve do que a corrida, dando lastro para o condicionamento físico geral.

A razão para isso é que o atleta que corre várias sessões de treino por semana tem mais facilidade em correr leve e os ganhos com esse tipo de treino passam a ser potencializados por conseguir desestressar da fadiga dos treinos em alta intensidade e preparar para os treinos longos. Para o maratonista amador, 3 a 4 treinos de corrida por semana, é um grande trunfo para menor risco de lesão.

Por a corrida possuir um ciclo de impacto maior, o triatleta pode estar ocupando sua sessão leve com uma natação contínua ou giro de bicicleta. Embora não seja totalmente descartável, principalmente para quem tem a corrida como a melhor modalidade, são melhores as chances de realizar um treino de baixa intensidade nadando ou pedalando. Sendo nesta última, até ser possível aumentar para 1.5 ou 2 horas de duração, colocando maior tempo de recuperação ativa sem entrar em riscos de acúmulo de fadiga.

Para grande parte do público de corrida, deve ser levado em consideração alguns fatores. Um deles é a capacidade em conseguir correr leve, outro é o nível atual de cansaço e condicionamento e outro fator fundamental é a compreensão do objetivo desta sessão, que pode ser utilizada para recuperar-se da fadiga como também preparar para uma sessão mais intensa ou mais exaustiva. 

A duração desse tipo de treino deve ficar em torno de 30 minutos e 1 hora. Se não for possível correr assim por 30 minutos é sinal de que a corrida em baixa intensidade ainda não dê para ser inclusa como uma atividade leve. O estresse da corrida encontrado no controle da respiração, da mecânica propriamente dita e do impacto são alguns dos fatores que impedem a baixa intensidade, mas que também podem somar-se fatores socio-emocionais ou ambientais.

Caso estejamos retornando de lesão, dependendo do grau, esse tipo de corrida dura bem menos que os 30 minutos que citei. Nesta situação, a reabilitação na modalidade não dependerá tanto do tempo ou mesmo da intensidade e sim da forma como está correndo, algo que não comprometa o quadro lesivo.

Por ter pouco acúmulo de lactato - substrato relacionado à fadiga, resultado principalmente do metabolismo dos carboidratos -, a corrida em baixa intensidade gera menos desgaste. Auxilia na regeneração de tecido muscular que esteja comprometido com atividades acumuladas. Contudo, se a atividade em baixa intensidade for prolongada de forma indeterminada, o desgaste vai acontecer por exaustão. 

Uma hora acaba sendo uma duração aproximada da máxima, suficiente para preencher os objetivos.

Correr de forma menos intensa estimula o sistema de metabolismo das gorduras para o fornecimento de energia, que vai contribuir para melhora da composição corporal, mas que também ajuda no ganho aeróbio, através do aumento na quantidade e no volume de mitocôndrias, responsáveis pela utilização do oxigênio pelas células musculares. 

De toda forma, o treino em baixa intensidade está sempre programado na planilha de todo atleta de endurance. Mas em certos casos, o trote ou a caminhada pré e pós treinos auxiliam a colocar esta forma de correr. Uma maneira de aprender como correr devagar e que no futuro oferece suporte para uma sessão toda assim. 

Para correr em baixa intensidade, é preciso procurar correr com a mesma postura que colocamos em intensidades mais altas. Não perder a eficiência, tentar manter o mesmo padrão de corrida para que ela não altere apenas por tirado a potência. O controle da respiração também contribui para completar um tempo maior.

O terreno deve ser mais plano. Evitar subidas para não exigir tanta força e também as descidas para não ter o estresse demandado para conseguir descer. 

O piso favorito para baixa intensidade é o gramado, por absorver mais o impacto. No entanto, a duração deve ser diminuída em comparação com a rua, por exemplo, pela exigência na tração do movimento, aquele momento que empurramos o chão para trás, e também no esforço em manter o corpo equilibrado.   

Quando entrei no triathlon, encontrei formas de treinamento de recuperação que não envolvia a corrida. Com o tempo, fui adquirindo maior confiança e correr leve hoje em dia posso dizer que está sob controle. Foi fundamental nos tempos com piscinas fechadas para manter o corpo ativo, sem estresse acumulado e aprimorando o condicionamento.   

Outro aprendizado que vamos tendo ao longo do tempo é que todas as intensidades vão auxiliar na promoção da saúde e no ganho de desempenho. Em certos momentos, algumas estarão predominando mais que as outras, sendo que nenhuma será descartada. O equilíbrio entre as intensidades se molda à temporada de cada atleta. 

Portanto, aproveite cada treino, incluindo os que parecem ser fáceis. Já observei casos de atletas que se tornaram mais confiantes quando conseguiram treinar leve correndo, um certo controle sobre o assunto, com todo o ganho de desempenho.

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