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Pesquisadora de Cinema Negro, Kênia Freitas é nova curadora do Cinema do Dragão; veja entrevista

Kênia conversou com a Frisson sobre sua trajetória como amante de cinema, filmes que marcaram sua trajetória e seus objetivos no Cinema do Dragão. Confira a entrevista

Foto: Lino Vieira

Professora, pesquisadora e crítica de cinema, Kênia Freitas possui uma trajetória relacionada à comunicação, artes audiovisuais e estudos sobre cinema negro e afrofuturismo. Formada em Jornalismo e doutora em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Kênia foi escolhida no último mês para ser a nova curadora do Cinema do Dragão. 

Sucedendo o professor Pedro Azevedo, a pesquisadora chega no Cinema com um novo desafio: reaproximar os antigos clientes do Dragão em um momento pós-pandemia e ampliar os públicos para o espaço cultural. 

Kênia conversou com a Frisson sobre sua trajetória como amante de cinema, filmes que marcaram sua trajetória e seus objetivos no Cinema do Dragão. Confira:

Frisson: Você é professora de cinema e crítica. Pode falar sobre sua trajetória no cinema? Se lembra de sua primeira crítica, seu primeiro contato com a arte? 

Kênia Freitas: Sou formada em Jornalismo pela Federal do Espírito Santo. Embora já gostasse de cinema antes, foi nesse período que passei a assistir e estudar cinema de forma mais intensa. Uma das grandes transformações foi passar a fazer parte de um cineclube (Grav: Grupo de Estudos Audiovisuais). Essa prática cineclubista de assistir a filmes semanalmente, pesquisá-los e debatê-los após as sessões foi transformadora para entender essa força do cinema como arte coletiva e de encontro (na feitura e na recepção). E também para perceber o cinema como um espaço político e formativo para a discussão de vários debates (estéticos e formais). Nessa época do Grav (entre 2003 e 2007), a gente escrevia críticas e propunha também seminários e debates. 

Agora, em revistas de críticas, eu comecei a escrever em 2011, em um site chamado Cineplayers (https://www.cineplayers.com/). Na época, eu fazia a cobertura do Festival do Rio de Cinema e acompanhava os lançamentos do circuito exibidor. Então realmente não me lembro de qual foi o meu primeiro texto. Mas foi um período também de aprendizados e trocas muito boas com outros críticos e realizadoras/es. 

Frisson: Por que cinema? O que te atraiu nessa arte e como percebeu que faria dela a sua profissão? 

Kênia Freitas: Primeiro, o que me atraiu foi o aspecto coletivo e político que falei acima. Eu fiz um caminho que foi da Comunicação (Jornalismo) para o Cinema. Enxergo as áreas como afins - até porque até uns anos atrás os cursos públicos de cinema eram mais escassos. Mas, enquanto eu me formava como comunicadora, eu entendi que era de fato nesse campo do Cinema que eu gostaria de atuar - como pesquisadora, crítica e curadora.

Outro aspecto que levou ao cinema foi essa capacidade dele de intervir no mundo. Uma intervenção que acontece pelo sensível, pelas sensações e também pelas temáticas e discussões dos filmes.

Frisson: Você assume a curadoria do Cinema do Dragão em um momento pós-pandemia e de lançamentos de blockbusters. Como pretende atrair novos públicos e garantir os atuais? 

Kênia Freitas: O cinema do Dragão tem por missão ser um espaço formativo e também ser um cinema de repertório. Isso não vai mudar, até porque ele cumpre uma demanda importante e necessária para a cidade. Ao mesmo tempo é um espaço aberto às exibições e festivais, alguns destes são parceiros de muitos anos na exibição nas salas. Isso é algo que queremos manter e intensificar, sobretudo em alguns meses,  quando o cinema voltar a ter as duas salas operantes. Isso possibilitará a volta de uma ocupação muito maior por atividades especiais e também na exibição regular, com a estreia de ainda mais filmes inéditos na cidade. 

Frisson: Quais são seus planos para sua curadoria no Cinema do Dragão? Há algum objetivo específico para 2022? 

Kênia Freitas: Acho que o desafio é manter o Cinema do Dragão como um espaço de descoberta de cinematografias que fujam do alcance do grande circuito comercial, e pensar uma variedade de estilos e discussões dentro disso. Queremos contemplar ainda mais cinematografias, e também pensar mais programações especiais formativas de plateia.

Nosso maior objetivo para 2022 é lidar com as transformações nesse período pós-pandemia.  

Frisson: Como define exatamente o trabalho de um curador de cinema? E quais acha que serão seus desafios nesse mandato? 

Kênia Freitas: Falando de uma forma direta, o trabalho de curadoria é o trabalho de escolha e seleção - nesse caso, de filmes. Em uma sala de exibição regular de circuito, como o Dragão, a atribuição principal é essa de estar atenta aos lançamentos - tentando entender o que pode interessar ao público e, ao mesmo tempo, propondo filmes menos conhecidos que possam surpreender. Esse obviamente é um trabalho que se faz em equipe quando falamos de uma instituição como o Dragão do Mar. O curador seleciona os filmes e trabalha em equipe pensando nas formas de trazê-los, do primeiro e-mail ou telefonema trocado com o distribuidor até a exibição existe muita gente envolvida e trabalhando. O curador/a é mais uma peça nisso. E é função da curadoria entender essa dinâmica e fazer o trabalho respeitando e valorizando a parte de cada envolvido.

Nesse ano de abertura após o momento mais intenso da pandemia e com as pessoas vacinadas, acho que nosso maior desafio é propor programação que atraia cada vez mais públicos para a sala de cinema.

Frisson: Você é integrante do Forúm Itinerante de Cinema Negro. O que exatamente é o Cinema Negro? Pode citar alguns filmes que representam esse movimento? E como esse movimento se aplica ao Brasil? Pode falar também um pouco do Cinema Negro nacional?

Kênia Freitas: Essa é uma pergunta que gera muitos debates teóricos. No FICINE, que também é composto por Janaína Oliveira, Janaína Damasceno e Tatiana Carvalho Costa, defendemos que o cinema negro é o cinema feito por pessoas negras (em qualquer estilo e abordando qualquer temática). Essa é uma denominação política que existe para lidar com o racismo estrutural da nossa sociedade - onde percebemos que o número de diretoras e diretores negros é desproporcioanal à presença das pessoas negras no Brasil. Nesse sentido, recomendo muito a leitura de levantamento e pesquisas feitas pelo grupo de pesquisa GEMAA da UERJ.

Um filme (brasileiro e cearense) como “Cabeça de Nêgo” (Déo Cardoso, 2021),  que foi exibido no Dragão recentemente, é um ótimo exemplo brasileiro. Outro exemplo, são os filmes exibidos na Mostra Negritude Infinita (que já teve edições online, no Cinema do Dragão e no CCBJ).

Frisson: Você também é pesquisadora de Afrofuturismo. O que exatamente é essa estética? Pode dar exemplos no cinema? Da mesma forma, como o Afrofuturismo está inserido no Brasil? Pode compartilhar alguns exemplos? 

Kênia Freitas: O Afrofuturismo junta a autoria e temáticas negras com o universo narrativo da ficção especulativa (ficção científica, fantasia, terror). Um exemplo no cinema muito famoso foi o Pantera Negra (Ryan Coogler, 2018). Recentemente, fiz duas mostras de filmes com essa temática: Afrofuturismo – Diásporas e Fronteiras, Sesc Digital/Aliança Francesa, 2021 (Co-curadoria Kariny Martins) e Mostra Afrofuturismo, Centro Cultural São Paulo, 2021. Posso citar alguns dos filmes brasileiros exibidos: Negrum3 (Diego Paulino, 2018), Arco do Medo (Juan Rodrigues, 2017), Personal Vivator (Sabrina Fidalgo, 2014), Chico (Irmãos Carvalho, 2016) e Preces Precipitadas de um lugar que não existe mais (Rafael Luan e Mike Dutra, 2020). 

Frisson: Como ambos os movimentos influenciaram a história do Cinema nacional? E como vêm influenciando? 

Kênia Freitas: Acho que as maiores influências estão nas formas de imaginar e criar mundos. Nós somos muito diversos no Brasil. A imaginação criativa que o cinema possibilita pode (e deve) ser tão diversa e múltipla quanto nós. 

Frisson: Qual o seu filme preferido, e por que? Esse filme te representa de alguma forma?

Kênia Freitas: Essa é uma pergunta muito difícil de responder. Primeiro porque a gente muda e os filmes mudam a cada revisão que fazemos. E também porque filmes mobilizam aspectos muitos diversos de quem somos. Talvez faça sentido falar em filmes que guardamos afetivamente (em comum todos me impactaram muito no momento da vida em que encontrei com eles:

Noites de Cabíria (Federico Fellini, 1959), Alma no Olho (Zózimo Bulbul, 1973), Sem Sol (Chris Marker, 1983), O último Anjo da História (John Akomfrah, 1995) e A mulher Melância (Cheryl Dunye 1996)

 

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