HOME Notícias
Padre Airton Freire faz reflexão sobre o autoconhecimento


Foto: Reprodução Instagram

Antes de todo o saber que eu possa ter de mim mesmo, antes de toda presença reflexiva de mim a mim mesmo, eu encarno uma realidade que faz limite entre o meio circundante e minha realidade pessoal: essa é a realidade do que eu sou. Sou um sujeito que se constituiu como sujeito de falta e de desejo na relação com o seu semelhante. Terei de sair dos limites de minha própria subjetividade para alcançar o outro na riqueza de sua diferença, na sua pluralidade, mediante uma ética de fundamental e instauradora reciprocidade responsável.

Eu sou um ser de limite entre o interior de tudo o que já vivi até aqui e oexterior da realidade circundante, essa na qual se movimenta meu ser. Nessas duas margens, flui a história na qual me vejo concatenado, história de meu povo, história da região, história do país, história da humanidade. Estou, portanto, na superfície, a que marca o limite entre o interno e o externo. Eu sou, nesse contexto, um traço unário, um ser de desejo e de falta-desejo em busca de completude e faltante porque demandante. E todo aquele que demanda revela, ao demandar, aquilo de que é faltante, característica de toda humana condição.

O desejo é a superfície onde se inscreve esse traço entre o interior e o exterior, na medida em que não se é ultrapassado. Na medida em que se vive de si para si, como ser isolado, gera-se um sofrimento. Sofre-se ante a oferta de seu desejo diante de um outro que lhe responde afirmativa ou negativamente. Percebendo-se no mundo que o desafia e sentindo-se limitado e com potencialidades de realizações e superações, todo ser que vive sente, por um lado, um desafio a ser enfrentado, a partir de sua própria realidade, com os limites de sua humana condição.

Ligado a isso, há o traço da presença do outro, que o questiona e o lança no mundo das possíveis frustrações e superações. Isso faz, no efetivo da história, um lugar a dever ser supra-assumido, que institui o sujeito como um sujeito não realizado e, por vezes, cindido, que o apela a estar, por inteiro, presente em todo ato que o torne realizado como um ser indiviso.

Desafio é manter a unidade na pluralidade tanto interna quanto externamente, sobretudo pelas instâncias, por vezes, em conflito, que todo ser traz consigo, exatamente em relação com o seu semelhante que é, igualmente, um ser dividido como ele é. O outro é também dividido em busca de um sentido, tão diferente de ti e que pode enriquecer-te na sua diferença e multiplicidade de formas de ver e de interagir.

Fazer unidade é um ato de justiça, enquanto nega o absoluto de só querer ver por um só dos lados. Querer ver só por um só dos lados significa fundamentar o absoluto da negação da alteridade, a exclusividade, o que seria a antiética da totalidade. Viver, portanto, nesse contexto, é correr riscos. Amar também faz ter riscos exatamente porque se define como afirmação e negação. Dizendo sim ao bem e negando-se ao mal a dizer amém. Não se vive bem sem lei e sem justiça. A maior delas é a lei do amor. Não és neutro no mundo.

De constante, és interpelado à presença do outro, em seu contexto, que te faz necessitante de estabelecer uma posição, de dar o teu recado. A presença do outro realiza em ti um movimento que te guia pela negação ou afirmação de uma ética fundante, se fundada na responsabilidade. O indiferente humano em jogo é negação do ato se transcender. Por isso, ao acontecer, esses elementos se fazem presente no saber e no poder. Aliás, saber e poder carregam em si uma responsabilidade grave, a da não indiferença a um plano que, acima de tudo, é um plano de fragilidade e de apelo humano, enquanto o humano busca a si mesmo se fazer superado, diante do limite e da dor dos homens. A responsabilidade dada não se mede senão objetivamente; ela é irrecusável, é marca registrada da ética da alteridade, que não se faz indiferente ao movimento e ao tempo presente.

Por Padre Airton Freire
(@padre_airton)

PUBLICIDADE