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Com a palavra, Pe. Airton Freire: "Uma questão ética"


Foto: Divulgação

A fala não recobre tudo o que o sujeito tenciona dizer. Existe, por isso, a necessidade, por vezes, de silenciar, até para comunicar. Pois, quando se faz uso da palavra para dizer de certos elementos, consegue entender, em parte, o que é dito do lado de lá, aquele que está do lado de cá. Mas palavras que vêm do lado de lá também fazem evocar conteúdos da história pessoal de quem está do lado de cá. Assim, ao ouvir certas palavras que vêm de lá, aquele que as escuta, estando do lado de cá, tem acordado certos conteúdos, para os quais ele não estava ainda preparado a lidar.

Esses conteúdos acordados fazem com que o sujeito responda com uma frase, por exemplo, que não vai ser compreendida também pelo lado de lá naturalmente. Essa frase vai tocar em elementos que causarão estranhamento naquele que está do lado de lá. Isso por quê? Porquê, ao dizer o que disse, o conteúdo dito pelo lado de cá vai acordar elementos que o lado de lá não estava preparado, nem esperava ouvir naquele momento. E esses elementos, acordados do lado de lá, provocam uma tal reação que, em resposta, o lado de lá diz coisas que repercutem tão intensamente no lado de cá, que, assustado, o lado de cá, por não entender a resposta dada vinda de lá.  Responde, então, de uma tal maneira, que faz ainda reforçar o que o lado de lá havia entendido naquele anterior momento, abrindo mais o fosso do entendimento.

Quanto mais, nessas condições, os dois lados quiserem se explicar, mais aumenta a tensão quanto a ausência de comunicação, apesar de os dois desejarem se desculpar. Volto a enfatizar: mesmo quando estão querendo se desculpar, ainda assim o desencontro aí se dá. Por quê? Porquê, além da palavra não recobrir tudo o que se passa do lado de cá, ela ainda consegue acordar, do lado de lá e também de lá para cá, elementos de que nenhum dos lados tem ciência e nem sabe, tampouco, o que provocam, ao dizer tais palavras, esses elementos que acontecem lá e cá.

Uma mensagem, intencionalmente falada, torna-se fonte de mal entendidos, em razão dos ditos, bem ou mal ditos, a partir de terrenos férteis para tanto, em razão das marcas deixadas pela história pessoal de emissor e receptor da mesma mensagem. Isso é o que provoca uma reação de que o lado de cá não tem ciência, tampouco foi essa sua intenção. E, quando o lado de lá entende que o lado de cá está fazendo alusão a esses elementos, a fonte dos mal-entendidos está instaurada. Uma saída somente aí existe: auscultar. Não se trata mais de falar e escutar. A escuta, se bloqueada, leva a um progressivo mal-entendido quando a relação dialogal está truncada. Auscultar significa escutar os sinais, os ruídos que falam de outros elementos, pleno também de sentidos.

Os médicos, por exemplo, muito bem disso poderiam falar. Eles não fazem escuta, mas auscultados ruídos do coração, do pulmão e dos batimentos cardíacos e têm, por meio desses sinais, uma compreensão que, mesmo na ausência da palavra, permite-os saber, exatamente, a que esses sinais fazem alusão. Quando truncado estiver o ato de escutar, uma saída há: auscultar. Assim, o possível da comunicação se restabelecerá. Ver-se-á. Se no impossível de se entender residir o porquê, uma forma possível de vir a se entender no para quê há de se ter.

Por Pe. Airton Freire

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